Ativismos: Felipe Moura Brasil entrevistado por Pedro Dória
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Conversas com o MeioFelipe Moura Brasil_I5NyZq72F_w (75,7833 min) Tipo SQ4 – 60 – GU PIN 1099-9
Felipe Moura Brasil entrevistado por Pedro Dória em 20 de junho de 2020 deu um banho de conhecimento, raciocínio lógico e valores a serem compartilhados com o leitor de nosso blog.
A transcrição foi em estilo editado acadêmico, onde destacamos em negrito as ênfases dadas a determinadas palavras pelos dois falantes.
O assunto é bolsonarismo, olavismo, lulopetismo e a atuação de militâncias pagas e militâncias formados de idiotas úteis (é isso que deixa transparecer o título do livro de Felipe Moura Brasil).;
Não seja idiota, não seja um imbecil coletivo. Vamos deixar de ser patota ou trupe de alguém, ser dominado por alguém.
Esta é a verdadeira campanha do armamento no Brasil, o armamento intelectual.
Espero que você goste do vídeo e da transcrição. Caso esteja no metropolitano ou no ônibus e não queira incomodar ninguém, leia a entrevista.
A transcrição de estilo livre fez algumas edições mas nada que prejudique o conteúdo da entrevista. Apenas facilita a leitura e a titulação põe pregos para você se prender mentalmente na resposta. Acho que vale a pena ler, reler, pensar e compartilhar com seus amigos. Com vocês, Felipe Moura Brasil, entrevistado por Pedro Dória.
Código da transcrição: [207006] Conversas com o MeioFelipe Moura Brasil_I5NyZq72F_w (75,8 min)
Conversas com o MeioFelipe Moura Brasil_I5NyZq72F_w (75,7833 min) Tipo SQ4 – 60 – GU PIN 1099-9
Entrevista 20 de julho de 2020
Meio (Pedro Dória): Pedro Dória (Meio)
Felipe Moura Brasil: Felipe Moura Brasil
(início da transcrição) [00:00:00]
Meio (Pedro Dória): Olá. Meu convidado essa semana no Conversas com Meio é o jornalista Felipe Moura Brasil. Eu já queria há algum tempo ter chamado o Felipe para essa conversa, mas a última semana deu o que nós, jornalistas, chamamos de um gancho, ou seja, de um acontecimento que ancora, dá um bom motivo para alavancar uma entrevista, uma conversa. O Facebook expurgou tanto da sua rede como do Instagram, uma série de contas falsas bolsonaristas. E não só essas contas eram contas ligadas a invenções, fake news, como eram contas que eram coordenadas por gente muito ligado ao governo, inclusive um assessor que trabalha dentro do Palácio do Planalto. E o Felipe foi o primeiro jornalista a mapear essa rede da militância virtual. Então eu queria ouvir dele um pouco mais de como é que essa rede funciona. Agora, há outros dois assuntos importantes para conversar com o Felipe num momento como esse, que são os seguintes:
O livro O Mínimo que Você Precisa Saber para Não Ser um Idiota
Primeiro: É que ele é o editor de talvez o livro mais vendido do professor escritor Olavo de Carvalho, que é o livro chamado “O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota”. (clique no link para acessar) De 2013 para cá, esse livro que o Felipe organizou se tornou meio que uma bíblia para um grupo muito grande de pessoas que se identificam como conservadoras. Ele foi costurado, são quase 600 páginas de livro, quer dizer, é um livro bastante grande, com uma quantidade imensa de artigos cuidadosamente organizados em cima daquilo que estava espalhado dentro do site do Olavo. Então de certa forma existe um elo no crescimento desse movimento conservador com esse livro. Queria falar um pouco com o Felipe sobre a história desse livro e como é que ele vê tudo o que aconteceu desde então.
O conservadorismo vai pagar a conta do bolsonarismo?
Segundo: O Felipe é um autodeclarado conservador. E como ele, que é conservador, e no entanto é um crítico de primeira hora do governo Bolsonaro, vê esse encontro. Existe algum tipo de preço que o conservadorismo vai pagar por conta do governo Jair Bolsonaro? Que tipo de preço é esse?
Meio (Pedro Dória): O Felipe evidentemente tem algumas respostas para todas essas perguntas, não quero de forma alguma adiar mais esse encontro, com vocês, Felipe Moura Brasil.
(♪) [00:03:05]
Meio (Pedro Dória): Felipe Moura Brasil, muito obrigado por ter aceitado o convite. [00:03:09]
Felipe Moura Brasil: Salve-salve, Pedro, é uma honra participar, obrigado a você e parabéns por essa série de entrevistas esclarecedoras buscando trazer à tona certas nuances que muitas vezes se perdem no debate público.
Meio (Pedro Dória): Gentileza sua. Então, deixa eu começar. Felipe, você, num determinado momento do ano passado, você publicou, foi uma reportagem de capa na Crusoé, o primeiro texto detalhando como funciona aquilo que você chamou na época de “blogueiros de crachá” (clique para acessar), a militância virtual bolsonarista. Depois acabaria se consolidando o termo “gabinete do ódio” para se referir pelo menos ao núcleo no Planalto, nesse conjunto. E claro, na semana passada a gente teve esse movimento do Facebook, que pela primeira vez fez uma ligação clara entre um assessor direto do presidente da república e essa milícia virtual. Ou seja, o Facebook, em essência, confirmou que está dentro do Palácio do Planalto um dos centros, um dos nós principais dessa rede. Você conhece esse mundo como poucos. Me conte essa história. [00:04:43]
Uma rede de militância paga pela população
Felipe Moura Brasil: (riso) Claro, eu posso contar aquilo que eu sei, que é aquilo que está na matéria, que está no meu trabalho, que aparece nos meus comentários e nos meus artigos. É bom aqui fazer justiça, que certas reportagens jornalísticas, certas análises inclusive, elas partem também de informações que outros jornalistas descobriram, elas desenvolvem informações que já estavam no ar de alguma forma. O que a minha reportagem fez foi realmente detalhar e ainda acrescentar um material exclusivo que veio de troca de mensagens, mensagens que eu acabei obtendo, obviamente não como hackers, (acha graça) não por violação criminosa de aplicativo de celular, mas justamente pela apuração jornalística que é legítima, e é claro que desagrada muita gente. Então certos vínculos da militância, eles também foram expostos por aquela reportagem em razão de grupos de WhatsApp, em razão de conversas ali individuais também que aparecem na reportagem. Mas o próprio gabinete do ódio, nem é uma expressão que foi criada por mim, já tinha ali matéria do Estadão e da Folha a respeito disso. O próprio Globo já tinha falado antes na figura do Tércio (ver mais Tércio Arnauld Tomaz). Só que eu mostrei que não era simplesmente um gabinete na presidência da república que tinha alguém que administrava as redes sociais do presidente. Eu mostrei que havia um monte de militantes espalhados em gabinetes bolsonaristas atuando na internet sem transparência, usando por exemplo nomes que não eram os seus próprios nomes, sem revelar para o público o cargo que eles tinham. Então eu puxei tudo isso com um trabalho minucioso de apuração trazendo à tona nomes, sobrenomes, cargos, remunerações dessa ala de militantes de gabinete. Mas a reportagem não se restringe a isso. Tem outros bolsonaristas que não estão em cargos de gabinetes, tem assessor da presidência da república, de assuntos internacionais, tem ali empresário bolsonarista que eu trouxe à tona como sendo financiador ali de uma parte da militância, e agora está aparecendo também em outras investigações. Então teve todo esse trabalho aí de detalhar isso que é o que? É uma militância virtual, paga com dinheiro público em gabinetes com assessores parlamentares. E isso para mim é uma questão de você trazer transparência, lançar luz em cima de algo que é obscuro. E o dever jornalístico é você realmente lançar luz sobre os poderes, como é que eles estão atuando. E um poder, ele não se restringe à presidência da república, ao cargo efetivo de determinadas pessoas que ocupam liderança. Tem todo um esquema de poder que envolve a sua militância. Então você trazer à tona para o público que participa do debate público pelas redes sociais, que lê aquelas fontes governistas, você trazer a público quem que elas são, quem está por trás daquelas contas é um dever jornalístico tradicional, é o que acontece é que houve esse desenvolvimento da tecnologia, você até é especialista nessa área, entende melhor do que eu. E isso gerou certas possibilidades de se fazer uma militância de maneiras obscuras. E o que o Facebook fez agora recentemente foi confirmar que militantes de gabinetes bolsonaristas remunerados com dinheiro público tinham contas nas redes sociais sem transparência, que é exatamente o tema de uma parte pelo menos da minha reportagem, e inclusive há ali personagens comuns, personagens que eu trouxe à tona e que tinham inclusive postagens de uma sonsice, de uma hipocrisia, de um cinismo, aquela turma que finge que não ganha o dinheiro que ganha em determinado gabinete, que está fazendo aquilo ali tudo como se fosse apenas um cidadão que apoia o presidente da república. E eu sempre lembro daquela frase do Millôr Fernandes, eu não sei se eu vou formular ela agora, mas “Desconfie de todo idealista que lucra com seus ideais”. (ver mais sobre Millôr Fernandes) (acha graça) Então, é preciso mostrar que essas pessoas realmente estão sendo remuneradas. Se elas apoiam ou não etc., é outra questão que vale a pena as pessoas analisarem caso a caso. Mas eu acho que deu ali para trazer mais transparência sobre a atuação dessas pessoas e o Facebook ainda foi além num certo sentido, porque ele fomo plataforma mesmo, pôde identificar várias outras contas fakes, quer dizer, onde não se assumia a identidade, que eram usadas por aquelas mesmas pessoas e algumas outras ainda. Então isso é muito importante, porque você tem o mesmo militante administrando várias contas e inflando o apoio ao presidente e espalhando narrativa. Não só espalhando narrativa com aquelas meias verdades aos quais os grupos políticos recorrem, mas também contas sendo usadas para atacar adversários, para atacar rivais. E aí você entra em outra questão moral, na verdade imoral, que é você ter uma militância virtual remunerada com dinheiro público em gabinetes como assessores, sem transparência, atacando adversários, quer dizer, colaborando para esse processo tão comum no bolsonarismo de tentativa de assassinato de reputação de rivais. Muitas vezes é com fake news, como o próprio Facebook acabou mostrando. (…) Então, foi mais ou menos isso o que havia ali de comum entre a minha reportagem e essas revelações recentes do Facebook. Agora, é claro que há todo um detalhamento de cada caso, quem são aquelas pessoas, em quais gabinetes elas estão. Então eles usam por exemplo gabinetes de assembleias legislativas. Quer dizer, é onde estão os deputados estaduais. Então você tem militante virtual que tem cargo na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro – ALERJ –, você tem na Assembleia Legislativa de São Paulo, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, e isso é gente com nome, sobrenome, cargo e remuneração e que se pode confirmar na folha de pagamento dessas assembleias que é público, basta você entrar naquelas páginas. E houve depois da minha reportagem, e existe até hoje uma tentativa de desinformar e de dizer que “Ah, isso nunca foi provado”. Imagine, isso já estava provado. Então o Facebook não provou aquilo que eu deixei de provar, aquilo já estava provado. O Facebook apenas confirmou e detalhou de uma maneira bastante forte, porque é a própria plataforma dizendo que aquilo acontece.
Meio (Pedro Dória): Quem você pensaria, Felipe, como os personagens principais dessa história? Se tivesse um grupo de pessoas ali, que você considera que são chaves na história, quem são? Ou que te parecem, de fora? [00:12:15]
Pessoas chaves: Eduardo Bolsonaro, Carlos Bolsonaro, Tércio e Filipe Martins
Felipe Moura Brasil: O que me parecem de fora? Ali responsáveis? Olha, isso tudo, Pedro, eu tenho muito cuidado para falar a respeito dessas questões de chefia, de ligação, porque tudo isso gerou investigações, não só na minha reportagem, ela está sendo citada por aí, mas outros levantamentos da imprensa que se basearam nela, você tem levantamentos de outros veículos, cujos jornalistas até me citam aí nas redes sociais como uma matéria que foi a chave de tudo para encontrar outras coisas. A CPMI das fake news, ela encontrou por exemplo o Eduardo Guimarães, um assessor do Eduardo Bolsonaro (ver mais sobre CPMI), deputado federal, filho 0_-3 do presidente da república que geria uma conta no Instagram sem dizer o nome, que atacava adversários. Então é mais um desdobramento dentro desse mesmo tema, que é o tema da fraude do debate público, da manipulação do debate público. Então assim, você tem o Tércio, que está no gabinete da presidência da república, e houve, você vê, entre a minha reportagem e as revelações do Facebook, 9 meses. E nesses 9 meses pipocaram notícias de certas pressões para que o presid demitisse, exonerasse ou mudasse de lugar o Tércio, que isso ainda poderia render problemas para ele e isso não aconteceu. E não aconteceu provavelmente (acha graça) por que? Porque o Tércio foi recrutado pelo Carlos Bolsonaro, ele era assessor do Carlos Bolsonaro, ganhava muito menos do que ganha hoje, ganhava cerca de 3 mil reais na câmara municipal do Rio de Janeiro como assessor, depois foi assim, promovido para o gabinete da presidência, quando Bolsonaro foi eleito, e aí ganha – sei lá – cerca de 13 mil reais, e faz essa administração dessas contas. E também fez durante a campanha, quer dizer, colaborou com a militância virtual ali bolsonarista em 2018. Então é alguém que tem ali a chancela do filho do Jair Bolsonaro, que de acordo com vários deputados bolsonaristas inclusive, faz ali certas chantagens emocionais – como eles chamam – com o presidente da república, “Se você não deixar eu fazer isso, eu vou fazer aquilo e tal”. Então assim, existe uma força grande do Carlos Bolsonaro na comunicação do governo, por essa relação com o presidente da república. Então você tem o Tércio, ele está no gabinete do 3º andar do Palácio do Planalto, é o mesmo andar em que está o Filipe Martins (ver mais sobre Filipe Martins) que é teoricamente assessor para assuntos internacionais, mas também é um orientador da militância bolsonarista nas redes sociais. Essas pessoas que atuam nas redes sociais bolsonaristas sempre negaram a existência do gabinete do ódio, o próprio Filipe Martins numa entrevista disse que a existência desses militantes de gabinete que enfim, buscavam atingir adversários, foi assim a maneira que a pergunta foi colocada, era um delírio completo. E está aí a confirmação de absolutamente tudo. Então você tem essas figuras, o Tércio, o Filipe Martins, o Carlos Bolsonaro, parte dessa militância ali também ligada ao Eduardo Bolsonaro, essas figuras que são parte daquilo que se convencionou chamar de área, de núcleo ideológico do governo. E eles próprios, até de acordo com as minhas apurações, consideram… são os autoproclamados conservadores, depois a gente vai falar a respeito disso, mas eles até se consideravam os conservadores dentro de um governo dividido ali em outras áreas que eu acredito que eles sabiam muito bem que em algum momento poderia gerar um problema, poderia gerar um atrito. E é, de fato, o que aconteceu, é de fato o que tem acontecido nesse momento.
Meio (Pedro Dória): É curioso você fazer esse comentário, a ala ideológica do governo e de fato é como a gente costuma se referir a eles, ala olavista ou ala ideológica, agora é ala de comunicação também. Esses dois papeis se confundem, o que dá até a partir do momento que a área de comunicação e a ala ideológica são a mesma, e isso é uma conclusão minha, não estou tentando de forma alguma te impor ela, me passa uma certa preocupação de doutrinação ideológica, quando você junta as duas coisas. Você tem essa impressão? Ou não? [00:16:58]
O vira casaquismo faz ganhar mais dinheiro
Felipe Moura Brasil: Tenho sim, essa impressão de que são pessoas querendo usar o Estado brasileiro para transformar o homem e a sociedade, muitas vezes tentando fazer por meio do Estado aquilo que não conseguiram na iniciativa privada. Então existe um ressentimento também contra as lideranças dos meios de comunicação, cultura e ensino que não deu a eles o espaço que eles se julgam merecer. Então eles despejam todo esse rancor contra aquilo que eles chamavam de establishment, e agora eles são (acha graça) parte desse establishment porque estão no poder. Algumas pessoas que fazem parte desse grupo falavam isso da esquerda, que a esquerda está no poder, mas posando de vítima, como se ela fosse alvo de forças maiores do que ela. E eles estão no poder. É claro que eles não conseguem controlar absolutamente tudo e é claro que existe na iniciativa privada a crítica e o trabalho de repórteres, o trabalho de vigilância do jornalismo que precisa ser feito, e que incomoda muito. E aí eles tentam transformar aquelas notícias incomodas em fofocas e etc., começar a disparar esse monte de rótulos a respeito não só das informações e das notícias como também das pessoas. Então disparam um monte de rótulos contra críticos incômodos, contra jornalistas como eu nessa tentativa sempre recorrente de assassinato de reputação, que mostra, apenas confirma tudo aquilo que eu digo e a própria incapacidade argumentativa deles porque se você precisa ficar disparando esses rótulos boçais, de traição, de casaca, de nova esquerda, de qualquer pessoa que critica o governo Bolsonaro então é um vendido para o outro lado, você imagina que coisa ridícula. Você sabe até pela experiência do governo do PT, estou falando todo mundo, e agora pelo bolsonarismo, e de uma maneira geral o que rende mais dinheiro (acha graça) é a bajulação ao poder quando você recebe o dinheiro público dos cargos que você ocupa em relação a isso, eu zelo e cobro pela transparência, por exemplo, em relação às verbas de publicidade para emissoras, para veículos de comunicação que o governo distribui, eu expus isso durante o governo do PT, ajudei a denunciar. É claro que foi um trabalho de vários jornalistas. O Fernando Rodrigues (veja quanto você paga para os blogs sujos do PT) conseguiu, pela Lei de Acesso à Informação, aquela lista por exemplo dos blogueiros petistas, simpáticos ao partido, como eram chamados até de uma maneira amena por alguns veículos, que recebiam verba de publicidade federal e recebiam justamente porque defendiam as narrativas petistas e alguns porque você tinha ali certas nuances em termos de ataques, de maneira de se colocar, mas alguns acabavam atacando também os adversários, os críticos incômodos, eles espalhavam aquelas listas negras contra os jornalistas incômodos, todos esses expedientes que se tornaram também presentes no bolsonarismo, mas de uma outra maneira. E certas coisas são feitas de outra maneira porque as maneiras originais foram descobertas, (acha graça) então aí você precisa criar mecanismos para dissimular esse tipo de escoamento de dinheiro público para aliados de uma maneira mais eficaz. Porque se você revela tudo, você enfraquece o poder da propaganda. Quando a propaganda se passa por jornalismo, como acontece em alguns veículos de comunicação que resolveram passar pano para a sujeira do bolsonarismo, aquilo tem um efeito maior sobre o cidadão inocente útil, como se diz na teoria política, ingênuo, sem as ferramentas para avaliar. Se você revela tudo, fica muito mais explícito o que certas pessoas estão fazendo, passando pano para o governo de turno, estou falando aqui de uma maneira geral, não só para esse governo específico, eles estão ganhando dinheiro com isso. Eu vejo às vezes até com certa graça, Pedro, nas redes sociais, as pessoas acharem que “Ah, fulano ficou louco!”, “Fulano está se contradizendo”, “Fulano tá em busca de likes e tal”. Fulano está ganhando mais dinheiro assim, as pessoas são muito ingênuas (acha graça), sabe? É simplesmente isso. Não tem muita coisa por aí não. O sujeito tem muita gente que na transição de governos acaba se revelando, mostrando que não tinha, não defendia a sujeira de um governo anterior em razão de bons princípios e valores que permanecem constantes no seu trabalho. Mas em razão de uma conveniência, naquele momento era mais interessante fazer aquilo, e agora é mais interessante acobertar a sujeira, não detalhar, não esmiuçar as questões que são obscuras e tal. Então tem um monte de gente por aí repetindo chavão sem fazer análise minuciosa nenhuma.
Meio (Pedro Dória): Agora, eu faria o seguinte argumento com você, e tenho certeza que você não vai discordar de mim. Governos passam, e o que sustenta jornalista é credibilidade. [00:22:39]
Passar pano sabota a luta contra a corrupção
Felipe Moura Brasil: Pedro, mas é exatamente isso, você foi no ponto, é o ponto que eu defendo, é o ponto sobre o qual eu tive que refletir muito ultimamente, mas para mim sempre me pareceu óbvio as escolhas a se fazer nesse sentido. Então a constância, a credibilidade vem da constância nos princípios, nos valores, na coerência. E isso a médio e longo prazo aparece, tem pessoas que naquele momento elas ainda estão com uma visão ali muito próxima. Num momento em que elas forem quase obrigadas pelo turbilhão dos fatos a chegarem um pouco para trás, elas vão enxergar com maior clareza. E tem aquelas pessoas que escolhem a escuridão. Isso é bíblico, entende? Elas não vão querer enxergar nunca, não vão enxergar nunca. Então você veja quantas pessoas que estão passando pano para a sujeira, a obscuridade, a falta de transparência, às questões em relação às investigações e às medidas para tentar bloqueá-las, a sabotagem ao combate à corrupção, quantas pessoas que estão fazendo isso vão ter moral para julgar as decisões de um governo futuro que venha a incorrer nessas coisas? Eu vou ter, porque eu fiz isso durante o governo do PT, eu estou fazendo isso durante o governo Bolsonaro, e se algum outro presidente ou algum outro governo incorrer nisso, eu vou continuar fazendo. Então para mim isso é absolutamente claro. É claro que o Brasil pode vir a ter, a gente faz o trabalho possível para que o país melhore sempre, e pode vir a ter governos melhores, que incorram menos, ou que não incorram em determinados expedientes. Mas você fazer vista grossa? Você fechar os olhos para esses expedientes que você criticava antes, isso aí é coisa de gente que se vende.
Meio (Pedro Dória): Você tem a comunicação que é promovida de dentro de gabinetes, e você tem os órgãos satélites. Entre os órgãos satélites existem aqueles que são bolsonaristas no talo, de pessoas ou veículos que foram criados por conta. Você cita na sua reportagem o Allan dos Santos. Mas ele não é o único, tem o Bernardo Custer, tem agora aquele site que foi criado pelo próprio Olavo de Carvalho, o Brasil Sem Medo. (ver blog do Olavo de Carvalho Brasil sem Medo) Então você tem uma série de veículos que são declaradamente ligados a esse grupo ideológico. Como é que funciona a reação? Como é que funciona a ligação entre o governo e esses veículos todos? São conversas constantes? Como é que funciona isso? [00:25:52]
O governante precisa de uma militância escudeira fiel e à toda prova e sem pudor
Felipe Moura Brasil: Ah, tem pessoas. Essas pessoas que você está citando, elas já têm uma relação anterior à eleição, são pessoas que se aproximaram muito nessa época de preparação para a campanha de 2018, e elas têm ali vários interesses em comum. Você tem alguns blogs, alguns canais que mesmo o dono não sendo um militante de gabinete, ele tem um repórter, entre aspas, porque eu não considero repórter, mas ali um militante que é um militante lotado em algum gabinete. Essas pessoas também conseguem justamente pela repercussão que toda militância junta dá ao seu trabalho, a lucrar com canais de YouTube, com monetização, etc. Mas existe de fato essa união de pessoas em vários setores com várias funções estratégicas. É dentro disso que eu estou chamando de uma maneira geral de esquema de poder. E há, claro, pequenas dissonâncias em relação aos seus interesses individuais mais imediatos ou mais a longo prazo. Aí teria que ser o caso de analisar cada situação específica, mas existe muito esse ressentimento em relação a uma certa elite que dominava o establishment, boicotando ideias contrárias, e aí há várias nuances, daqui a pouco a gente pode entrar nisso. E tem também um oportunismo de você aproveitar aquele momento para ganhar a visibilidade que você nunca conquistou, mas existe dentro dessas pessoas, não estou dizendo que não existe, os seus ideais com os quais obviamente eu não compactuo. Então acho que eles têm ali essa ideia de transformar a sociedade daquela maneira com as ideias que eles pregam, mas de uma maneira que a gente tem visto que não recorre ao diálogo, que busca sempre a destruição do outro, que tem um quê revolucionário, que às vezes é com o sinal invertido. Então o Anthony Quinton por exemplo chamava o reacionário de revolucionário do avesso. Então você tem essas figuras dentro da teoria política do reacionário que tem, idealiza um passado ao qual ele quer voltar, e o revolucionário que idealiza um futuro que ele quer alcançar, e os dois têm em comum essa perspectiva de que os fins justificam os meios. Então os meios radicais podem ser usados, eventuais mentiras, eventuais atrocidades (acha graça) podem ser cometidas em nome desse ideal. Então isso aparece e a gente vê a própria atitude dos militantes ajudando a espalhar mentiras, meias verdades e tal, para legitimar esse projeto de poder, quer dizer, “temos finalmente um candidato que se apresenta”… eu nem gosto de falar que eles são aquilo que eles dizem que são. Mas, na cabeça deles, “finalmente temos um governo de direita, um governo conservador, que eu nconsidero esse pessoal conservador e agora é preciso lutar com todas as forças para defender isso”. Se você pegar por exemplo, tem o Olavo de Carvalho em 2014, eu acho que o Alexandre Borges (veja a entrevista de Alexandre Borges) na entrevista que deu para você, ele lembrou inclusive esse ponto só, eu vou lembrar uma outra coisa, que ele defendeu a candidatura da Denise Abreu, que hoje (acha graça) aliás saiu uma notícia, ela voltou a ser empregada no governo Dória, o Dória que tinha afastado ela depois de uma denúncia por suposto envolvimento com propina, e aí parece que caiu por falta de provas e ela voltou a ser empregada lá. Mas ele fazia esses encontros virtuais. E aí teve um momento com a família Bolsonaro, com o Jair Bolsonaro, com o Carlos e com o Flávio, e ele estava falando ali da importância daquele momento de unir a direita contra os candidatos esquerdistas. Você sabe que teve aquela declaração do Lula em 2009, se eu não me engano, dizendo que não temos candidato à direita, olha só que beleza. Não é fantástico isso? A expressão que ele usou: “Não é fantástico isso? Todos os candidatos são de esquerda.” Então o Olavo de Carvalho falava naquele momento que era preciso unir as forças da direita, se eles tinham um projeto conjunto, e que era necessário formar justamente uma militância, porque o poder do eleitor, o eleitorado de um modo geral, ele tem um poder difuso, e a militância tem um poder dirigido, quer dizer, você precisa de uma militância para ficar defendendo aquele político, aquele líder, aquele grupo político ideológico o tempo todo, focada naquilo. Então isso precisava ser construído porque não adiantava você conquistar o poder se você não tivesse isso, porque a militância do adversário poderia destruí-lo e tirá-lo do poder se você simplesmente ganhasse um cargo. Mas se você tivesse uma militância organizada para defendê-lo, para apoiá-lo, para dirigir esse poder o tempo todo, você conseguiria suportar e de repente conseguiria fazer as coisas. Então, você vê que isso ele já dizia ali em 2014, a candidatura da Denise Abreu, ninguém deu bola para ela, não teve força nenhuma, mas houve desde então a construção dessa militância bolsonarista desse objetivo da família Bolsonaro aos poucos, aos trancos e barrancos, nada assim tremendamente consciente, mas umas coisas que foram acontecendo e com o Olavo falando aquilo, a aproximação da família Bolsonaro com ele, deu ali uma direção norte para que eles formassem isso e que a gente vê se concretizar agora, e ver também os desdobramentos de ganhos de cargos e etc., e poder dentro do governo com todos os ruídos que esse pessoal causa. E aí você tem a necessidade de agradar outros nichos do eleitorado, o próprio país, setores econômicos etc., aí você precisava ter ministros técnicos, mas aí você tem essa convivência completamente ruidosa entre pessoas técnicas questão já têm um currículo, que já conquistaram um sucesso e realizações dentro da iniciativa privada, ou até no Poder Judiciário, como o Sérgio Moro, por exemplo, convivendo com aquelas pessoas absolutamente querendo acabar com tudo isso que estava aí, e sem trazer uma solução construtiva.
→ Leia Marco Antonio Villa entrevistando Sérgio Moro
Felipe Moura Brasil: A gente tem visto durante o governo Bolsonaro uma dificuldade muito grande em realizar, em construir, e uma facilidade muito grande em… eu não digo nem destruir porque não digo que eles consigam isso realmente, mas essa tentativa recorrente de destruir. E se você, Pedro, até entrando já um pouco no tópico da comparação conservadorismo com bolsonarismo, se você pega por exemplo o livro “Pensadores da Nova Esquerda” do Roger Scruton (veja livro à venda na Amazon), se você vir por exemplo a introdução que ele faz no capítulo sobre Foucault, ao descrever o esquerdista moderno, que era ali o que ele estava chamando de nova esquerda, ele descreve características que são absolutamente (acha graça) aplicáveis ao bolsonarismo. Quer dizer, a necessidade de você ter um inimigo constante, de você lutar pela sua destruição, o oponente escolhido ali pela Nova Esquerda de acordo com essa visão do Roger Scruton era o burguês, e agora você tem pelo bolsonarismo isso que eles chamavam de establishment, aí tem várias nuances também, mas eram essas elites esquerdistas que não queriam o bem do povo que eles dizem representar. (…)
Meio (Pedro Dória): E essa conversa me interessa, embora essa coisa do ataque constante ao establishment, seja bem da esquerda, seja da direita, eu costumo chamar de populismo mesmo. [00:34:26]
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É emburrecedor a lealdade cega a um indivíduo e a formação de um grupo tribal sem capacidade de análise
Felipe Moura Brasil: Sim. É populismo. Vocês falaram na entrevista com o Alexandre.
→ Leia a entrevista com Alexadre Borges (em breve)
Felipe Moura Brasil: Eu vi exatamente isso, são lideranças dizendo que as elites que dominam ali o establishment político, cultural, etc., elas não representam os verdadeiros anseios do povo. O que acontece é que como acontece em geral no bolsonarismo, é que existe uma parte verdadeira a respeito da descrição de uma realidade, e existe aquilo que eles precisam para fazer para encobrir a sua sujeira e para encobrir eventuais incompetências e para tentar destruir a reputação dos adversários. Então, por exemplo, havia realmente uma lacuna de representatividade na política, pelo menos mais combativa, em relação a vários pontos que as próprias pesquisas que muitas vezes eram consideradas esquerdistas, mostravam há muito tempo. Então toda essa parte mais considerada de costumes, as pesquisas mostravam que a maioria da população brasileira, eu já fiz uma lista, já fiz um artigo a respeito disso, era contra a legalização das drogas, era contra a legalização do aborto, era a favor de penas mais duras para os criminosos, e todos esses itens eram a favor da redução da maioridade penal e tinha ali um certo balanço em relação à pena de morte porque aí dentro do campo da própria direita existe uma discussão nesse sentido. Mas naqueles outros pontos havia ali todo um nicho de bandeiras que não estavam sendo erguidas por ninguém. E o bolsonarismo foi, pegou essas bandeiras e aí dizia isso. E faltavam lideranças políticas para empunhar essa bandeira. O que é que o bolsonarismo fez? Empunhou essa bandeira e conquistou uma certa representatividade em relação a isso. Mas é claro que não foi isso sozinho e avulso que fez Bolsonaro vencer a eleição. Você teve uma série de fatores, uma confluência de fatores que fez com que ele chegasse ao cargo onde ele chegou. Você teve a Lava Jato, principalmente a partir de 2014, mostrando os esquemas de corrupção do petismo, que nós, na internet, colunistas, já denunciávamos da maneira que dava. Houve isso também, o desenvolvimento tecnológico das redes sociais, da internet, como um todo, permitiu justamente esse espaço para vozes dissonantes daquelas que estavam nos meios de comunicação e cultura. E, de fato, havia um predomínio muito grande da esquerda, os pensamentos mais à esquerda, ou pelo menos uma ausência de visões mais conservadores e que trouxessem as referências conservadoras internacionais dentro desse debate público dos meios de cultura. Então, na internet a gente pôde falar muita coisa a respeito daquele establishment político e cultural que não era dito dentro dele. Então, isso é o que você estava chamando de contracultura também. E havia muita verdade, ali, verdades que assim como o Facebook (acha graça) comprovou ali a militância de gabinete, a Lava Jato confirmou aquilo que estava sendo dito e havia pelo menos ali durante os governos Lula, no do governo Dilma já melhorou em relação às denúncias a respeito da corrupção na imprensa. Mas havia ainda muita benevolência, havia ainda muito pudor em se criticar como um oportunista que estava ali desenvolvendo esquemas de corrupção, alguém que era um operário, que era representante da esquerda, que foi torturada no regime militar, etc. E é isso que as pessoas realmente conservadoras da tradição burkeana, kirkeana, elas não podem fazer agora, que é você fazer vista grossa à sujeira de um governo de direita por um corporativismo ideológico e político. Eu considero isso de uma imoralidade tremenda, e eu durante inclusive os governos do PT, elogiei mesmo quem não concorde com tudo aquilo que falam, ou com todas as atitudes, mas a gente elogia aquelas declarações e atitudes corajosas e corretas daqueles esquerdistas que até participaram da luta armada, e que reconheceram as atrocidades cometidas pela esquerda na própria luta armada e também em alguns casos a corrupção petista. Então teve vídeos que até viralizaram muito, eu ajudei a popularizar. Um deles fui eu que tirei ali de uma entrevista original, é o caso do Eduardo Jorge, deu uma entrevista para o Bruno {Torturra} do Mídia Ninja e eu peguei lá aquele trecho em que o Eduardo Jorge estava falando: “Olha, é preciso dizer toda verdade. Havia atrocidades iguais ou até piores na esquerda durante a luta armada contra o regime militar, do que no próprio regime. Havia inclusive há pessoas que dizem que estavam lutando por democracia. Não, estavam lutando pela ditadura do proletariado.”, Fernando Gabeira é outro que fez isso, fez muito bem. Então assim, esses exemplos nesse sentido, eles precisam ser nesse ponto, nesse (acha graça) aspecto, repetidos agora por aquelas pessoas corretas. Então há vários esquerdistas que as pessoas da direita, elas podem ter discordâncias a respeito de certas ideias. E aqui eu estou falando da esquerda de um modo geral, não estou rotulando qualquer um desses que eu estou citando, porque há sempre muitas nuances por aí. (…) Mas muitas dessas pessoas às vezes têm uma discordância, você tem uma discordância com elas no cômputo das ideias e etc. Mas muitas vezes são pessoas sinceras a respeito da sua experiência individual direta. Então o sujeito viveu aquilo ali, o sujeito testemunhou certas coisas. E ele não mente a respeito daquilo, aquilo que ele viu, aquilo que ele testemunhou, ele fala: “Olha, foi assim”. Então o relato é uma testemunha de uma importância muito grande. E você, no campo das ideias, abstrações, soluções para determinados problemas, você tem certas divergências. Eu lamento muitas vezes que no debate público brasileiro se percam as nuances e se odeiem as pessoas como um todo, e se exaltem as pessoas como um todo, ou se reprovem. E isso é uma das coisas mais emburrecedoras que existe, ao ponto de chegar a isso, de dizer “Ah, você é um traidor, porque se deve findelidade (acha graça) a uma determinada pessoa”. Quer dizer, você não tem as suas posições, os seus princípios e os seus valores que vão ser usados para as análises específicas. Não, você está junto daquele grupo, então a gente já está numa cultura tribal de embate de facções.
Meio (Pedro Dória): Deixa eu aproveitar esse seu longo arco de raciocínio. É isso mesmo, e há bastante tempo, um amplo eleitorado conservador no Brasil que não encontrava nem no PT, nem no PSDB, um espelho para as suas ideias. Não encontrava mesmo, claro, nitidamente. E de fato essa é uma preocupação muito antiga do Olavo de Carvalho, ele fala há muito tempo disso, de “é preciso construir uma militância de direita”. E ele, evidentemente, tem uma responsabilidade enorme pela formação de uma geração de pessoas que pensam como conservadoras e que se enxergam como conservadoras. [00:42:51]
Felipe Moura Brasil: Eu diria que enxergam.
Meio (Pedro Dória): Mas olha, eu estou até tentando, eu não estou falando de bolsonaristas não, tá? Eu estou falando num sentido mais amplo. E aí, não quero entrar no mérito de se as pessoas são ou não são, porque aí começa a ficar aquela zona cinzenta. Eu queria que você falasse um pouco porque você editou o livro que é a coleção que meio que institucionalizou o Olavo como o principal pensador de direita brasileiro, pelo menos numa determinada direção. Ele já tinha desde a década de 90 uma participação ativa aqui no Rio de Janeiro dando cursos, tudo mais, depois naquele mundo foward output, ele começa a encontrar um grupo maior de pessoas fora do Rio. Ele produz muito podcast, começa a fazer o curso dele em vídeo, mas tem uma coisa de institucionalização quando você começa a se tornar um autor que vende muito. É claro que “O imbecil coletivo” (veja o livro O Imbecil Coletivo) vendeu muito nos anos 90, mas aquilo foi uma explosão e sumiu. Tem um momento ali que na Record você começa a ter essa ampliação e vira não mais uma explosão, mas uma coisa consolidada de vários autores que vão sendo publicados, isso começa com o Olavo e que encontra um público interessado naquilo. Como é que foi essa experiência? Como é que você vê esse arco do personagem Olavo de Carvalho? [00:44:43]
Um ativismo militante sem senso crítico, valores e princípios, defender por defender é temerário
Felipe Moura Brasil: É, foi até bom você tocar nesse assunto logo depois de eu falar a respeito da alta de nuances e de como as pessoas muitas vezes só entendem a adesão completa incondicional, ou o repúdio 100%. Elas só entendem atacar ou defender, elas só entendem aprovar ou reprovar uma pessoa inteira, um grupo inteiro, uma obra inteira. E isso é absolutamente emburrecedor. A minha vida intelectual, ela começou muito antes de eu entrar nessa seara política. Então eu lia literatura, muita literatura estrangeira, brasileira, escrevi até um texto em homenagem ao Rubem Fonseca, quando ele morreu, na Crusoé, porque foi um dos autores nacionais contemporâneos que eu li muito, mas li também aqueles que deram origem inclusive a certas vertentes nas quais o Rubem Fonseca (veja coluna do Rubem Fonseca na Crusoé) atuou. O Olavo, por exemplo, ele tem a obra dele de crítica cultural registrada principalmente por meio dos seus artigos jornalísticos, ele passou por vários jornais, e você tem a obra dele de filosofia propriamente dita, obviamente gera uma série de críticas, é filósofo, não é filósofo, esse debate que não é para aqui. E você tem a parte de história da filosofia. Eu fiz uma coletânea, uma antologia dos artigos jornalísticos do Olavo de Carvalho, que é justamente essa parte da obra dele sobre crítica cultural. E essa parte da obra dele sobre crítica cultural tinha diagnósticos que eram muito certeiros, que eram muito precisos. É óbvio que um livro como “O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota” que eu organizei, que tem mais de 600 páginas, qualquer pessoa pode ter discordância com um parágrafo ou outro, com vários artigos, com cada um de acordo com a sua visão de mundo. Mas há certos fatos ali que a própria história recente do Brasil mostraram que são inquestionáveis. Então tem ali um diagnóstico e claro que foi uma das pessoas que mostrou o que havia por trás do petismo, das relações do PT, e ajudando inclusive a desfazer essa aura que o Lula teve ao chegar ao poder, como aquele operário que finalmente vai entrar ali no meio antes dominado pelas elites, que sempre foi a narrativa petista. Então, o que é que acontece? Quando você tem, você falou até, é interessante, que “O imbecil coletivo” teve um boom e depois o Olavo ficou editado por pequenas editoras e tal, e não veio mais à tona assim de maneira tão avassaladora no debate público até que chegou “O mínimo”. É que “O mínimo” chegou também num momento muito certeiro, muito oportuno, que era esse momento. Ele foi lançado em agosto de 2013, então você vê, ele é anterior ali ao crescimento da Lava Jato, já havia muita insatisfação com o petismo, então havia ali muita demanda reprimida por um outro tipo de análise, por um outro tipo de crítica, por um outro tipo de visão e enfim precedeu a derrocada do governo Dilma Rousseff, fraudes fiscais e manifestações. Aliás, ele veio logo de maneira subsequente às manifestações de 2013, que geraram e aqui não é nem no aspecto político da relação, mas elas geraram muita comoção nacional, as pessoas foram às ruas, teve quebra quebra no começo, black blocks e tal, não sei o quê. Daqui a pouco aquelas manifestações de rua já descambaram para um outro lado e viraram manifestações contra corrupção e tal. Então, começou com lideranças de esquerda, daqui a pouco estava com lideranças da direita, mas aquele momento, até para mim como colunista, eu escrevi por exemplo em junho de 2013 um texto que é “Passe livre para a delinquência”, porque já havia ali certos esquerdistas nesses blogs e tal, poetizando vandalismo (acha graça). Então estava dizendo: “Olha, se isso continuar assim, porque certas coisas começam na vida intelectual, daqui a pouco elas têm o pensamento transmutado e em ação. Se isso continuar assim, vai gerar mais delinquência”. E gerou, teve o assassinato do cinegrafista Santiago Andrade e eu estava lá desde o começo falando: “Olha, é isso que vai acontecer” enquanto outros, Marcelo Freixo por exemplo, não estava fazendo juízo de valor: “Quem sou eu para fazer esse tipo de juízo?”. Eu critiquei muito por causa disso. Mas, aquilo teve, trouxe muita gente que não entendia nada de política para o debate público político, tentando entender aquela confusão. E “O mínimo” veio logo em seguida mostrando: “Olha, o que é que aconteceu até aqui na história recente do Brasil? Qual é o quadro?”. E aí, vem a questão até pessoal minha, agora voltando como é que foi o contato com a obra do Olavo, por que eu organizar-me. O Olavo escrevia em O Globo, eu lia o jornal impresso, como lia vários outros, e lia aquela seção de colunas, mas não foi ali que ele me chamou mais atenção. Depois ele começou a ser citado uma vez ou outra por algum autor e eu acabei encontrando a obra dele, e o que mais me despertava interesse na obra do Olavo é que eu encontrei em razão da análise política daquele período do petismo, eram mais as questões existenciais, porque ele voltava a determinados fundamentos. Hoje é importante voltar até para descrever a própria militância bolsonarista. Então o fundamento por exemplo do próprio “Imbecil coletivo” ali adaptado a “O imbecil juvenil”, quer dizer, daquelas pessoas jovens que para pertencer a determinado grupo, vão adquirindo os mesmos vícios da patota, vão copiando a sua maneira de falar, copiando a sua maneira de vestir e muitas vezes suprimindo a própria personalidade. E esse fenômeno era um fenômeno que fazia parte da minha observação, da minha experiência social, eu via isso acontecer na escola, na rua, no clube, nas festas. São as pessoas perdendo a sua personalidade para integrar patotas. E talvez por traço de personalidade que eu tenho, eu nunca fui esse tipo de pessoa e via com certo desconforto essa formação de patotas. Mas é essa formação da juventude que muitas vezes vai até a vida adulta e até as pessoas ficarem velhas, elas ficam presas a aquelas mesmas ideias do seu próprio grupo social. Então as pessoas conhecem algumas pessoas, ficam amigas, e depois elas não querem mudar de opinião porque elas sabem que vai haver um incômodo, que vai haver a cara feia do seu amiguinho, da sua amiguinha. Então muitas vezes a gente vê isso agora no bolsonarismo, tem pessoas que ficaram amigas de toda uma trupe e elas, para reconhecer que houve uma rachadinha no gabinete da ALERJ do Flávio Bolsonaro, ali centralizada pelo Fabrício Queiroz, isso gera toda uma problemática na vida pessoal porque são as relações que ela construiu. Então, é muito humilhante, mas o próprio Olavo em relação a isso como um todo, ele falava da importância da auto-humilhação, do autovexame para o crescimento individual, para o desenvolvimento da própria consciência individual em meio a essas correntes coletivas. Então isso tudo me interessou muito assim, como o texto sobre vocação, por exemplo, que era justamente aquilo que eu coloco em prática hoje, que você fazer algo mesmo sabendo que aquilo pode te dar um monte de dor de cabeça, que aquilo pode ser algo que todo mundo está contra etc., mas você sente aquela responsabilidade individual de fazer, de cumprir, que é o seu chamado. E falava uma série de outras coisas em relação à vocação. Por exemplo, você ter uma certa imunidade para algumas coisas. Por exemplo, o médico tem que ter uma certa imunidade para aguentar ver tanto sangue, isso está presente ali na vocação dele, quer dizer, alguma habilidade, algum dom. O advogado, ele precisa conviver com criminosos, por exemplo. Um jornalista num mundo contemporâneo (acha graça), ele precisa ter carcaça, precisa ter casca grossa, precisa aturar esse bando de militantes virtuais que ficam disparando essas mentiras sobre a nossa vida pessoal, sobre a nossa vida profissional, senão a pessoa não aguenta. E eles tentam fazer justamente que a pessoa não aguente. Então isso tudo na obra do Olavo me interessava muito e me interessava para mostrar para as pessoas do meu meio pessoal: “Olha aqui”… até para trazer aquelas pessoas para não perderem a sua personagem. Aos poucos, em todos os meus estudos, eu consegui enxergar ali na obra de crítica cultural do Olavo, vários aspectos que eu dividi no livro o tema. Então tem essa parte sobre o desenvolvimento da personalidade que eu considero importante até hoje, a questão existencial mesmo de formação da personalidade, a questão vocacional, aí entram as questões sociais, culturais, questões democráticas, as questões políticas e intelectuais. Então, o livro, ele é dividido em temas, cada capítulo tem um nome, Juventude; Vocação, Cultura, Democracia etc., e ele vai fazendo ali uma escadinha no nível cultural das pessoas. É claro que cada um tem sua visão de mundo e pode discordar, mas considero até hoje um livro que merece ser lido porque é uma descrição de um certo período, e é uma visão diferente daquela que era a dominante no período. É claro que tem visões sobre a política americana também, as pessoas podem concordar, podem discordar; mas tem ali um núcleo muito importante. E lamentavelmente agora a gente vê o bolsonarismo repetir muitas coisas que estavam sendo descritas ali pelo exemplo que havia de mostruário na arena política das patotas de esquerda. (…) Além disso, com esse desenvolvimento das redes sociais, da internet, o começo ali dos blogs e vários autores à direita, ou liberais ou conservadores etc. escrevendo blogs na internet, começou muita gente a falar sobre o petismo, aquilo que o Olavo de Carvalho já falava há bastante tempo. Então eu, por uma questão de personalidade, de humildade, “Olha, a gente precisa respeitar aquelas análises que foram feitas por aqueles que nos precederam”. Então o que existe a respeito desse assunto que foi falado no Brasil recentemente e que ainda estava bagunçado, porque assim, eu por exemplo, adoria ter organizado a obra do Diogo Mainard (leia mais sobre Diogo Mainard). E eu falava isso, elogiava o Diogo muito antes de trabalhar com ele, então fico perfeitamente à vontade. Só que o Diogo já tinha organizado o livro “A tapas e pontapés” (veja livro), uma coletânea de artigos dele. Então eu fui organizar do Olavo porque todos os artigos que eu lia bastante buscando sentido etc., eles estavam desorganizados num site, empilhados assim, páginas e páginas que você vai colocando em setinhas sem nenhum tema, sem nenhuma conexão de um artigo com o outro, etc. Então eu fiz essa conexão mastigando aquele conteúdo para pessoas leigas, para pessoas novas. E aquilo foi usado, evidentemente, nos movimentos contra o PT. Agora, daí a você concordar com todas as atitudes do autor depois da publicação do livro, e com a sua atuação no debate político, aí são outros quinhentos. Só que as pessoas no Brasil muitas vezes, elas querem associar você a tudo ou a nada, e não têm nuance nenhum. Então 2014, só para voltar no que a gente estava falando antes, foi lá a Denise Abreu, o Olavo estava fazendo campanha, pedindo votos para ela e tal. Não dei a menor bola em relação ao impeachment por exemplo. O Olavo era a favor da cassação do mandato, achava que não devia pela via institucional do impeachment, criticou e atacou, começou uma polêmica na internet com as pessoas que estavam ali apresentando isso para o atual presidente da câmara Eduardo Cunha, e eu era a favor da via institucional, inclusive porque não é que eu fosse contra a cassação do mandato. Eu era a favor porque havia roubalheira, ela teve uma influência na eleição, tanto que se convencionou chamar depois a não cassação da chapa Dilma-Temer de ela ter acontecido por excesso de provas. Mas eu era a favor do impeachment justamente porque a cassação do mandato era incerta e dependia do Gilmar Mendes e da sua trupe do Tribunal Superior Eleitoral. Como é que o povo brasileiro que estava nas ruas já mobilizado ia falar assim? “Não, não vamos pressionar políticos que estão muito mais sujeitos à corrupção do que juízes que têm lá o seu cargo garantido, e vamos esperar os juízes decidirem”. Quer dizer, aquilo para mim não fazia sentido nenhum, tanto não fazia sentido que realmente não fez. Houve impeachment e depois houve a absolvição da chapa Dilma-Temer. As minhas diferenças de posição e tal, elas sempre existiram no debate político. Organizar a parte da obra de crítica cultural daquele autor com referências importantes e análises importantes sobre aquele determinado período, é uma coisa completamente diferente da atividade de comunista, de jornalista.
Meio (Pedro Dória): Felipe, estamos cruzando agora a fase da uma hora de conversa, então eu quero te fazer uma última pergunta que é o seguinte, aconteceu tudo que aconteceu de 2013 para cá, o Olavo de Carvalho, um autor e muito respeitado como professor por muitos, se tornou também um ideólogo político, seguido por um grupo que de fato tinha o objetivo de criar uma militância política. Estou tomando muito cuidado para não colocar palavras na sua boca, são todas minhas. (…) E desse organizador intelectual tomou um rumo da extrema direita e se tornou um cara muito preocupado com doutrinação, muito preocupado porque é um pé dentro do Ministério da Educação, muito preocupado por ter um pé dentro da estratégia de comunicação do governo, senão diretamente, indiretamente através de pessoas tanto na Esplanada quanto no Planalto, que são muito ligadas a ele. O Filipe Martins é o exemplo mais óbvio, mas não é o único. E bem ou mal, você é um crítico desse governo, você não é o único crítico conservador desse governo, mas você certamente é um dos que vocalizam mais alto. Assim como o PT, a abertura dos escândalos de corrupção para a sociedade durante o governo Lula e durante o governo Dilma, tiveram um custo muito alto para a esquerda. Não só para o PT, para a esquerda. Em algum momento Bolsonaro deixará de ser presidente, a gente não sabe quando, mas ele deixará de ser presidente, até porque democracias são cíclicas. Bolsonaro vai ter um custo para o conservadorismo, desde a ditadura militar que não se elege um presidente que é identificado com a direita, para mesmo o PSDB, que tinha certamente um viés liberal, era um partido de centro, não era um partido de direita. E Bolsonaro é o primeiro presidente há muito tempo, é um presidente de direita. Você, que se identifica como conservador, como é que você avalia o custo que o bolsonarismo vai ter para esse movimento conservador que começa a se consolidar no Brasil? [01:03:05]
O custo bolsonarista para o conservadorismo equivale ao custo do lulopetismo para a esquerda
Felipe Moura Brasil: Você tocou em pontos interessantes e eu quero tocar, dividir aqui minha resposta também em alguns pontos que eu considero fundamentais. O custo que o petismo trouxe para a esquerda também é responsabilidade da esquerda não exatamente petista. Então é aquilo que eu estava falando antes sobre os passadores de pano, como se convencionou agora até depois do governo do PT, desgastou muito a esquerda, porque onde estavam os críticos esquerdistas do petismo? De uma maneira mais incisiva, tratando da roubalheira petista, tratando do financiamento de ditaduras por meio do BNDES; criticando de uma forma mais dura os financiamentos de empresários também com dinheiro público; o aparelhamento do Estado de uma maneira que acabou sendo ruim. Quer dizer, havia? Havia uma voz ou outra e tal, mas qual era a impressão em geral? Que a esquerda compactua com o PT, a esquerda permitiu isso; a intelectualidade esquerdista, boa parte dela, ela surfou na onda petista, assim como alguns… eu nem considero intelectuais. Mas surfaram na onda bolsonarista e conquistaram ali os seus cargos públicos, houve muito dessa fusão na esquerda. E para que haja um desgaste menor na direita com a sujeira do bolsonarismo, o que é necessário é haver justamente sensatez e o espírito crítico dentro da direita em relação a aquilo que é intolerável seja acontecendo na esquerda, seja acontecendo na direita. Porque senão não se tem uma autoridade moral para criticar o pano que o esquerdista passava nos governos do PT. E isso é um trabalho que precisa ser feito, eu considero que eu estou fazendo a minha parte nesse sentido, inclusive distinguindo os conceitos de acordo com a realidade histórica e atual, porque o que acontece é que os grupos políticos: eles sempre se denominam de uma maneira que os enobreça. Isso acontece tanto na direita quanto na esquerda. Então os bolsonaristas, eles se proclamaram conservadores, aí tem várias razões mas uma delas foi essa que eu mostrei, havia esse discurso que era um discurso do próprio Olavo de Carvalho, de que a população brasileira é majoritariamente conservador e era preciso surgir um grupo conservador para derrubar o establishment atual, essa divisão de PT e PSDB, que como o Lula disse, eram candidatos à esquerda, como FHC disse, não havia grandes diferenças ideológicas, eles estavam apenas disputando cargos. Isso inclusive foi uma reportagem da Vera Magalhães na Folha de São Paulo quando ela estava lá, essa declaração do Fernando Henrique que é muito usada pelos bolsonaristas. Então, justiça seja feita, outro alvo do bolsonarismo. E até eu, na Veja, fiz um compilado, Pedro, de declarações da alta cúpula tucana, para você ver como eles próprios se proclamam de esquerda. Você falou de centro, mas o partido em geral, ele era tido como partido de centro esquerda e pelo discurso dos seus próprios caciques, você sente que eles queriam na verdade que fosse um partido realmente de esquerda. Então em 2015 eu botei na Veja, para quem quiser procurar, é um post meu quando eu era colunista lá, que se chama “PSDB disputava com PT esquerdismo e Odebrecht” (leia artigo clique aqui). Foi quando surgiu a delação da Odebrecht, a Odebrecht financiou tanto petistas quanto tucanos, e eu trouxe essas relações. Então, aqui pegando, tudo está lincado às reportagens. Então em 2015 José Serra se disse mais à esquerda que o PT, que classificou de partido de corporações. O Geraldo Alckmin em 2006:”Sou mais esquerda do que L”la “. O Aécio Neves em 2014:”Para a direita, não adianta me empurrar que eu não vou”. O FHC em 2014:”Sou de esquerda, mas ninguém acredita”. O Danilo Gentilli em 2014 entrevistando o Aloysio Nunes do PSDB, perguntou: quem é mais esquerda? PT ou PSDB? Isso tem até vídeo no YouTube, o Aloysio Nunes respondeu PSDB. Então, havia aí essa disputa pelo verdadeiro esquerdismo entre o PT e o PSDB e esse discurso de que quem chegasse com o discurso conservador poderia furar esse duelo. Essa é uma parte da minha resposta. Qual foi o ponto central aqui? Porque eu fui fazer um parênteses. É desgaste da direita…?
Meio (Pedro Dória): O custo do conservadorismo. [01:08:08]
Felipe Moura Brasil: Em relação ao Bolsonaro. Então estava falando do PT e do PSDB, falei aqui dos passadores de pano da esquerda, que eles são corresponsáveis por essa sujeira, tinha mais alguma coisa que eu queria falar que eu não estou lembrando. Mas Pedro, para mim é basicamente isso, é você ter a sensatez de fazer a crítica correta daquilo que é inadmissível. Então para mim desvio de dinheiro público, seja em gabinete, seja numa estatal, ele é completamente inadmissível. Há coisas sobre o bolsonarismo também que surgiram depois da eleição, essa própria investigação, o povo votou sem saber que existia. E não foi nenhum jornalista que descobriu, foi o COAF, que depois no governo Bolsonaro foi transferido para o Banco Central, contra a vontade do então ministro da Justiça Sérgio Moro. Depois por exemplo, veio reportagens mostrando que o Flávio Bolsonaro aos 19 anos ganhou um cargo em Brasília num partido que era o partido do pai na ocasião, enquanto fazia faculdade no Rio e estágio. Depois dele, o Eduardo Bolsonaro aos 18 anos, um é o filho 0_-1 e o outro é o 0_-3, ganhou um cargo em Brasília enquanto fazia faculdade no Rio. Agora você tem investigação sobre funcionários fantasmas também em gabinete da família. E tudo isso é algo que um conservador de verdade não pode compactuar. E quando você começa a pensar na sua posição a respeito da realidade política como um militante, como alguém que está preocupado com os efeitos políticos, esse é um ponto importante. Você não é mais jornalista, você não é mais crítico cultural, você é justamente um militante. Então, eu era jornalista e continuei sendo jornalista. Então eu preciso expor as coisas, independentemente do seu efeito político. E quando algumas pessoas que já foram intelectuais, que já foram autores com análises certeiras etc. estão preocupados em defender um grupo político contra o establishment, eles já não estão mais desempenhando uma atividade intelectual de descrição da realidade, estão ali buscando alguma consequência política, alguma ação prática a respeito de determinada circunstãncia. E essas pessoas, passando pano, elas acabam queimando a direita de um modo geral. Então fazer a distinção do que é realmente a tradição conservadora com o pai do conservadorismo Edmund Burke, que foi resgatado pelo conservador americano, Russel Kurtt, as próprias percepções do Roger Skruton, o próprio pensamento e a vida, a vida e obra do Joaquim Nabuco no Brasil, o mais influente dos abolicionistas, eu escrevi um artigo sobre ele comparando (acha graça) aqui com a realidade bolsonarista. É até engraçado, Joaquim Nabuco tem dois livros extraordinários, o “Minha formação” e “Um estadista no Império”… e em “Um estadista no império” (adquira o livro), ele descreve o presidente do conselho do Brasil, se eu não me engano era esse o nome do cargo, que era o Zacarias, a descrição que ele faz do Zacarias, descrição crítica, ela parece a descrição do bolsonarismo, parece. É muito parecido com a visão crítica que se tem do Bolsonaro hoje, os comportamentos que ele descreve ali. E aí quando você vem “A minha formação”, que ele faz uma autodescrição, é exatamente o oposto. O Roger Skruton, quando descreve o Foucault, quando descreve aquela nova esquerda, é muito parecido com o que é a militância bolsonarista também. Então se você bota isso na tradição, não é condizente, não é coerente. Aí voltando a aquilo que eu estava falando, que os grupos políticos se autoenobrecem, em razão dessa perspectiva, era esse o ponto que eu queria chegar, é bom eu lembrar às vezes. (acha graça) Em razão dessa perspectiva de que o conservador poderia furar essa retranca de PT e de PSDB, eles acharam bonito isso, a maioria do povo é conservador então nós somos os conservadores que representamos a maioria do povo. É um populismo disfarçado de uma representação conservadora dos anseios populares. Mas quando você vai ver isso na prática, não é o que acontece. Agora muitas pessoas no Brasil, elas são ludibriadas e iludidas por retórica, por discurso. Elas não conseguem fazer essa dissociação que eu tento fazer o tempo inteiro no debate público, entre a palavra e a atitude, entre o discurso e aquilo que é o fato. Então o bolsonarismo já tem uma novilíngua e é preciso traduzir essa novilíngua para o idioma português de fato, assim como o petismo, ele se enobrecia e se enobrece até hoje como o Lula se enobrece até hoje, sempre posando de vítima, com uma linguagem fake. E é um dever do intelectual fazer essa tradução, porque se você não traduz, se você não tem um dicionário do que aquelas pessoas querem dizer com aquelas palavras que muitas vezes são genéricas, elas encobrem todas as nuances, elas têm aqui um pouquinho de verdade mas uma série de mentiras, você vira massa de manobra. Então esse é um trabalho que as pessoas que não querem que a direita fique manchada, mesmo que elas não sejam exatamente de direita, mesmo que elas não sejam exatamente liberais ou conservadoras, mas por elas serem democratas e acreditarem na importância da existência das duas forças, a esquerda e a direita, e até do centro no meio, essas pessoas precisam fazer essas distinções. Um grupo político, um grupo de pessoas que é um grupo social que de repente entrou no poder do Estado, ele não é representativo de tudo aquilo que ele diz ser. E as pessoas precisam ter essa base de princípios e valores e algumas (acha graça) armas, não de fogo, mas intelectuais, quer dizer, algumas ferramentas para não se deixar engabelar.
Meio (Pedro Dória): Felipe Moura Brasil, muito obrigado pela entrevista. [01:14:20]
Felipe Moura Brasil: Pedro, obrigado a você. Falei pra caramba aí a cada pergunta sua. Se você quiser falar qualquer outra coisa, fica perfeitamente à vontade e conte comigo também para qualquer futura participação, estamos aí, esse trabalho, repito o que eu falei no começo, desculpe me estender, mas esse trabalho de buscar compreender o outro, esse trabalho que está na própria família de Edmund Burke, nos pais que eram diferentes e o casamento entre os dois não era exatamente uma coisa simples naquela época, ele já trazia consigo essa percepção de que é fundamental ouvir o outro. Eu, em relação a mim, houve muitas interpretações equivocadas, há muitas interpretações equivocadas. O ano eleitoral é um ano de muita estigmatização, então as pessoas lançam esses estigmas sobre os outros, e eu sou um analista que vai indo de acordo com os fatos e mostrando aquilo que é diferente entre o discurso e a realidade.
Meio (Pedro Dória): Muito obrigado.
Felipe Moura Brasil: Obrigado a você.
(fim da transcrição) [01:15:29]