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Sérgio Moro entrevistado por Marco Antonio Villa

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transcrição de áudio

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Sérgio Moro entrevistado por Marco Antonio Villa (66 min)

Temos o prazer de apresentar o Doutor Sérgio Moro sendo entrevistado por Professor Marco Antonio Villa.

Além do interesse cívico, esse encontro foi importante para saber da própria fonte as razões que levaram ao rompimento com Jair Bolsonaro e seu governo.

O estilo da transcrição é o que chamo de transcrição acadêmica literal com negrito, a função da apresentação de certas palavras em negrito é tentar mostrar ênfases do entrevistado.

Ela é um pouco mais trabalhosa de ser produzida, mas essa forma de transcrever tenta anotar tudo como foi falado. Os números são grafados principalmente em algarismos quando se tratam de período de tempo como ano, mês e dias. Entendemos que não é necessário escrever por extenso, a mensagem dada pelos algarismos arábicos é clara o suficiente.

Siglas como PT ou PSDB são escritos em CAIXA ALTA por convenção, caso tenham sido ditos com ênfase, teríamos um reforço em negrito: PSDB  ou PT .

Essa forma de transcrever sofistica a leitura e deixa o texto limpo.

Não omitiremos  gaguejos, hesitações e  apresentaremos vícios de linguagem, mormente contrações como “cê tava ou num tava com raiva?”, mostram um diálogo mais à vontade. Quando há algum desconforto dos falantes em perguntar ou responder, notamos hesitações e gaguejos. Não omiti-los torna-se interessante para a leitura sem ouvir o áudio e o leitor poderá perceber o espírito do discurso presente nas falas tanto do Professor Villa quanto do Doutor Moro.

Boa leitura, escreva para contato@transcricoes.com.br para dizer o que você achou do nosso serviço de utilidade pública de transcrever entrevistas de personagens tão importantes para o Brasil como o ex-ministro Sérgio Moro.

Convenções adotadas na transcrição

  1. palavra… → alongamento vocálico, hesitação ou interrupção de ato de fala.
  2. … palavra → continuação da fala do turno do falante que foi interrompida.
  3. palavra (em negrito) → ênfases tonais
  4. (…) → demonstração de corte de fala considerado não relevante.
  5. [01:46:09] → marcação de tempo [hh:mm:ss](*).
  6. {hipótese} → hipótese de escuta ou fonográfica (o som que conseguimos entender)
  7. (ininteligível) → trecho ou palavra que não conseguimos compreender. Comentários do transcritor.

(*) A marcação de tempo ocorre a cada troca de turno relevante.

(início da transcrição) [00:00:00]

Marco Antonio Villa: Bem, agradecemos muito. Nós convidamos o Doutor Sérgio Moro, é desnecessário (acha graça) apresentá-lo, todos o conhecem, né, toda a sua longa carreira como juiz – 22 anos na magistratura – participou de várias eh… vamos chamar de operações, pra ficar mais fácil na linguagem vulgar, a… especialmente na Lava Jato desde março de 2014, se eu não tiver enganado; foi ministro da Justiça até o dia 24 de abril (de 2020), né, eh… e é pessoa conhecida de todos os brasileiros a… pela… sua atuação, sua combativa especialmente contra a corrupção. Então, Doutor Moro, muito obrigado, agradeço muito o senhor ter atendido o nosso convite. [00:00:36]

Sérgio Moro: Professor Villa, eu que agradeço o seu convite, a gente acompanha o que o senhor escreve, as suas falas também – sempre muito pertinente – é um prazer tá aqui.

Marco Antonio Villa: Vamos lá. Eu queria, antes de… mania de historiador – sabe? – (acha graça) a gente tem…

Sérgio Moro: Aham.

Marco Antonio Villa: …a gente sempre brinca que quando pergunta pro historiador alguma coisa, ele fala: “Bem, em Atenas… “, “Pô, é uma questão de 2020, ele vai falar em Atenas?” A gente tem o vício das origens. Eu queria primeira coisa perguntar pro senhor, por que o senhor escolheu a carreira do Direito? O senhor pretendia… pensou no colegial lá, a… no… no ensino médio, fazer outra coisa? Por que o senhor escolheu fazer Direito? [00:01:13]

Sérgio Moro: Hoje eu queria na verdade fazer História, queria ser…

Marco Antonio Villa: Ôrra! (gargalhada)

Sérgio Moro: …historiador. (acha graça) Mas aí eu morava em Maringá, e… me… tava… concluindo lá o segundo grau, e acabei me inclinando a fazer Direito, queria fazer alguma coisa na área de Humanas, tá? Mas acabei… gostava MUITO de ler sobre História, de estudar História, eh… teorias sobre História, isso tudo é muito interessante, mas acabei enveredando para… para a área do Direito eh… por entender que na parte profissional, ali em Maringá, aquilo ia me dar mais… mais oportunidades, né, eh… de… de… trabalho. Mas até hoje ainda fico pensando se não devia ter feito o curso, viu? (acha graça)

Marco Antonio Villa: (riso) Tá bom, doutor. Pô, que bom. Agora xô eu perguntar pro senhor. Quando… o senhor lia o que no… na… na universidade? O senhor teve interesse de fazer paralela? Porque eu, antes de eu fazenda História, fiz Economia, mas não acabei. A… aí e… a… na… é que eu vim de outra época, dos anos 70, em que a política tava MUITO presente na universidade, especialmente na segunda metade dos anos 70, a… ainda durante o regime militar. O senhor se interessou por fazer política na universidade? Diria ter DCE, eu presumo, na Universidade Estadual de Maringá? Como é que a questão da política estudantil passou pelo senhor, durante o período do curso de Direito? [00:02:35]

Sérgio Moro: Eh… nessa… nessa paerte eu confesso que eu me mantive um pouco alheiro, eu gostava muito de… de estudar, de ler, inclusive História, Filosofia. Mesmo durante a Faculdade de Direito, eu acho que as… primeira metade da faculdade eu mais lia material sobre outras… outros temas do que de Direito. Comecei realmente a me encontrar no curso de Direito ali pelo terceiro ano. Mas na parte da política estudantil eh… realmente eu fiquei um pouco… eu fiquei um pouco alheio. Eu me envolvi assim, muito pouco, um amigo meu certa feita se candidatou lá pro… pro… órgão de representação, né, da… da Faculdade de Direito, ajudei bastante na campanha, mas ele acabou nem sendo eleito, daí eu me desiludi um pouquinho também, fiquei fora.

Marco Antonio Villa: Perguntar pro senhor o seguinte: nesse processo então de interesse maior pelo Direito, a partir da metade do curso, e daí pra frente, o senhor fez mestrado e doutorado. Quais são as referências pro senhor no mundo do Direito? A… aquelas leituras que todos nós – eu também passei pelo mestrado e pelo doutorado na História – passei em mestrado em Sociologia, mas doutorado voltei à História, e a gente sempre tem aqueles autores que eh… a gente simpatiza, ou quando termina de ler um livro fala assim: “Pô, eu queria escrever uma coisa igual a essa”. (acha graça) No caso do senhor, quem foi aqueles que o senhor teve mais… mais empatia, que ficou mais impressionado na… no campo do Direito, especialmente? [00:04:00]

Sérgio Moro: Bem, eu acabei enveredando, depois da área profissional, pro… pra área criminal, pra área de processo penal, porque eu fui… eu tava como juiz criminal só em processos criminais a partir de 2002. Mas antes não era exatamente essa a minha área de preferência. Eu sempre gostei muito de Teoria Geral do Direito – não é? – e Direito Constitucional. Teoria Geral do Direito, eu acho que as duas referências eh… principais, um é o {Hans Kelssing}, que foi o austríaco, é o ápice do positivismo jurídico no Direito Continental Europeu, na tradição do Direito Continental Europeu, e depois eh… eu diria que numa visão um pouco mais nova, né… mais do que final do secou passado, o pós-positivismo do {Ronald Working} que é um autor de Oxford, que tem um livro que é excepcional que é o Império do Direito, tá, a {Loss Empire}, que é uma crítica ao… ao positivismo jurídico, mas é uma crítica, não é… não é naquela linha de… de difeito alternativo nem nada. É uma crítica eh… no sentido “ó, questiono próprias… algumas das afirmações que os positivistas fazem, algumas premissas que eles utilizam”, eh… então eu… eles acabam questionando. E no Direito de constitui… Constitucional, eh… eu gosto muito também da linha do Direito norte-americano, em particular, que é um livro muito interessante, que chama Democracia e Desconfiança, que é de um autor chamado John {Hart Elly}, que ele discute o… o controle judicial de constitucionalidade, embora à luz do… do Direito notre-americano, acho que como nós importamos esse instituto aqui do… do… pro Brasil eh… eu acho escrito muito profundo até hoje. Lá também é um livro muito… muito considerado.

Marco Antonio Villa: No caso dos autores brasileiros eh… do campo do Direito, o senhor tem algum que o senhor… eh… considera uma referência pra suas reflexões, pra sua vida profissional? [00:06:15]

Sérgio Moro: Eu gostava muito, na época da faculdade, que da época eu trabalhava nisso em Direito Tributário, né? E um livro clássico que sempre me… animou nessa área era um… hoje até não é tão lido – me parece – mas era o Carnaval Tributário do Alfredo Augusto {Becker}, livro eh… extremamente também interessante, e hoje em dia eu tenho apreciado muito o que escreve o… ministro Barroso, né, o ministro Roberto Barroso tem escrito sobre Direito Constitucional eh… numa linha assim, bastante… bastante interessante também.

Marco Antonio Villa: Perguntar pro senhor eh… Doutor Moro, se antes de… de enfrentarmos questões mais do presente, a… o senhor escre… eh… escreveu, acompanhou muito a Operação Mãos Limpas na Itália, escreveu um longo prefácio, eu lembro de… cheguei a ler, a… e parece, no caso da Itália, que acabou não terminando muito bem, né, a Operação Mãos Limpas. Imaginava-se um caminho, por uma série de razões, aquele… aquela velha república – vamos chamar assim a grosso modo – acabou ruindo, e o que veio em seguida a… agora a situação tá um pouco diferente, mas o que veio em seguida foram políticos do… do populismo no sentido mais vulgar da expressão, né? Eh… e… e aí a… as… [00:07:32]

Sérgio Moro: É Aldo Moro?

Marco Antonio Villa: Sim, sim. Agora, no caso a… brasileiro, tivemos a operação mãos limpas… temos né… eh…, perdão, a Operação Lava Jato, né, desde março de 2014, mas acabou levando a uma… ao fim de uma estruturação política que tinha no Brasil, uma polarização PT-PSDB, que não se… se reproduziu em 2002, 6, 10, 14, mas não em 18. E nós temos problemas no presente, que alguns explicam derivados da Operação Lava Jato. Se é ou não é eh… eu deixo pro senhor responder. É possível fazer uma… que comparação que o senhor faria, então – ou comparações no plural – entre a Operação Mãos Limpas na Itália e os seus efeitos e a Operação Lava Jato e os seus efeitos políticos? [00:08:18]

Sérgio Moro: Esse é um tema bastante interessante, foi até trazido… veio até o Brasil trazido pela… principalmente pela… economista {Cristina Pinotti}, de São Paulo, os magistrados da Mãos Limpas, do {Percamino Davigo}, o {Gerard Colombo}, e eles vivenciaram a operação, né, como… como promotores, e depois todo o decorrer, né, o que aconteceu depois, e tem muitos pontos de comparação interessantes com… com… o Brasil, com a Lava Jato. Duas operações enormes, eh… os resultados são diferentes, nos casos concretos, não é? Eh… ambos relevaram sistemas de corrupção, tem te esse {Percamilo Davigo}, que… que é um que escreve basta… tá escrevendo bastante sobre a questão da… da Mãos Limpas, ele tem um livro que chama até O Sistema da Corrupção. Mas assim, não é uma corrupção isolada no tempo-espaço, mas era um verdadeiro sistema que foi criado eh… e que se reproduzia. E a Operação Mãos Limpas teve lá dois anos – não é? – dois, três anos, 92 a 94, principalmente. Claro que ela prosseguiu, mas sem o mesmo ímpeto, e aquelas expectativas de reforma pra ter um país menos corrupto após a Mãos Limpas, em princípio, não se confirmaram, houve até uma legislação de revide, né, do sistema político, e alguns personagens emblemáticos, como lá {Bumel Bunga}, o… ou coisa parecida. Eh… hoje eu não… não sei avaliar a situação da Itália – teria alguma dificuldade – até ouvi que nos últimos dois anos algumas leis importantes foram aprovadas, né, de… de combate à corrupção, não teria condições de analisar. Mas o… o… imediatamente após realmente não foi alvissareiro. Aqui no Brasil nós tivemos a Lava Jato, ela, de certa forma, continua. Acho que também o auge dela… eh… já passou, né, as pessoas no entanto têm muito costume de dizer toda operação contra a corrupção é Lava Jato, né, “a Lava Jato do Rio”, “a Lava Jato”… eh… em qualquer outro local, acabam chamando de Lava Jato. Alguma coisa realmente é derivado, outras não. Mas enfim, eh… eu acho que nos ilustra também a nossa experiência aqui, que as cortes de Justiça podem ir até um determinado ponto. Acho que o trabalho que foi feito na Lava Jato, embora seja um pouco… tava envolvido, então sou um pouco suspeito pra falar, mas foi um excelente trabalho, né? Condenações, o fim da impunidade da grande corrupção, claro que muita gente… a gente… a… nós acabamos pensando assim: “Ah, devia também ter condenado o fulano x, ou o fulano y… mas isso não era uma coisa tão simples, nem tudo corria… nem todos os processos corriam lá em Curitiba. Até hoje, por exemplo, me incomoda lá porque… dizendo que eu protegia o… o ex-senador Aécio Neves, né, mas assim, nunca foi um processo meu, nunca teve um processo dele nas minhas mãos, e o que a gente teve, a gente encaminhou para o Supremo Tribunal Federal, mas além disso, eh… nós precisamos de reformas mais amplas, esse foi até um dos motivos que eu fui pro governo, naquela expectativa de implementar essa agenda aNticorrupção, mexer na lei, deixar a lei mais dura em relação a isso, eh… não só na parte de processo, mas também na parte de controle, eh… é preciso transparência, é preciso uma política diferente, e… e no entanto assim, eh… não… não foi possível avançar muito nessa área. Outras áreas no governo foi possível avançar bastante, acho que o combate ao organizado e o crime violento. Mas, nessa área, realmente ficou falhando. O que revela que, olha, os juízes vão até um determinado ponto. Depois, precisa da política. Mas não a política, não é a política partidária, né, a polí… a ALTA política, é a Sociedade, os políticos querendo fazer a diferença nesse campo.

Marco Antonio Villa: O senhor disse, já esclareceu em diversas vezes, que o primeiro encontro que o senhor teve com o Jair Bolsonaro, já presidente eleito nesse caso, foi após a… o segundo turno. Até então o senhor não tinha tido nenhum contato com ele, né? O senhor externou isso diversas vezes. Mas tem uma questão que sempre é colocado, mas eu acho que vale a pena retomar. O senhor condenou Lula na primeira instância. É claro que a impossibilidade dele ser candidato foi a partir da segunda instância, de acordo com a Lei da Ficha Limpa. [00:12:53]

Sérgio Moro: Sim.

Marco Antonio Villa: Mas o senhor não se… não sentiu algum tipo de conflito de interesse ao aceitar ser ministro da Justiça de um presidente que teria certamente como adversário no processo eleitoral o Lula? Isso não… não ficou presente no senhor em algum momento, ao aceitar o convite, a questão do conflito de interesse? [00:13:12]

Sérgio Moro: É que foi posterior, né? E eu sempre entendi assim, olha, o… o Lula foi condenado porque ele… ele praticou crimes, né? Então quem tem a responsabilidade é… foi ele, e… ele foi investigado, foi acusado pelo Ministério Público, eu proferi uma sentença, né, depois foi até confirmada pelo Tribunal de Apelação e depois pelo STJ, eh… e depois teve outro processo que ele foi condenado por um outro juiz. Então, assim, eu até pense… eh… eu tenho que determinar minha vida agora porque eu emiti uma sentença contra o Lula, condenatória? Na verdade… eu apenas decidi segundo as provas, segundo a lei. Né? Naquele caso, e ele… a verdade, a insistência dele pro… pro processo eleitoral, era uma forma de ele tentar fazer valer aquele álibi, eu transformar aquele processo numa questão política, politizar a própria condenação. Mas ele tava FORA do jogo eleitoral a… bem antes de… de até iniciar o processo eleitoral. Bem antes de… eu até conhecer o presidente Jair Bolsonaro. Então o que eu pensei na época? Claro, até compreendo crítica ao… ou incompreensão nessa área específica, mas o que eu entendi na época foi: “Olha, é uma oportunidade de ir ao governo e inclusive eh… buscar implementar essa agenda, que é importante, da agenda anticorrupção”. Né, então não vi ali um conflito de interesses, né, fui com a melhor das boas intenções, sabia que ia ter críticas e tal, mas eu entendi que as pessoas iam compreender. E, na época, quando eu fui, até o… pelo que me recordo, eh… a maioria da… da população aprovou, né? Não que seja um fator a ser considerado, mas, né, a Bolsa subiu, as pesquisas aprovavam minha ida, eh… porque assim, eu sempre falei francamente: “Olha, eu tô indo pra fazer um… um bom trabalho”, né? Então não tem uma relação de causa e efeito, a condenação do Lula e a minha ida a… pro governo. Eles, né, o Lula, o pessoal dele que quer construir essa narrativa, mas é um álibi, como ele já tinha um álibi político anteriormente, que nada aconteceu na Petrobras, ou que nada era da responsabilidade dele, etc. etc. etc. Não, não. Não posso me pautar por um álibi falto. Basicamente foi essa a ideia.

Marco Antonio Villa: Sim. Eh… deixa eu perguntar uma questão pro senhor, a… o… o deputado Bolsonaro – ainda deputado, durante 28 anos, antes teve dois anos como vereador – mas pessoalmente como deputado, ele sempre tinha se desta… tinha se destacado muito pouco nos… no trabalho legislativo propriamente dito. Nunca relatou um projeto e em três décadas, né, o que… o que chama atenção. Quais eh… ele tinha sido destacado não pela atuação legislativa, mais por entrevistas, ou por intervenções muito curtas em algumas sessões da Câmara dos Deputados, ou até na sessão do impeachment, aí a… eh… e já em 2016. E todas as suas falas, do então deputado, sempre foram críticas à Constituição de 1988, fakas polêmicas, como por exemplo, o Doutor Miguel Reali Júnior, cerca de um mês atrás, no jornal O Estado de São Paulo, no sábado, escreveu um artigo lembrando a fala eh… do então deputado propondo fuzilamento do Presidente Fernando Henrique, à época presidente da república. Depois propondo uma guerra civil no Brasil, que o Brasil precisava ter 30 mil mortos; depois defendendo a tortura; ah, depois dependendo torturadores, eh… tendo como livro de cabeceira um livro de um torturador, o Coro… que… que terminou como Coronel Ustra, mas que aqui em São Paulo, no DOI-CODI do então 2º Exército, participou de torturas e assassinatos e foi condenado pela Justiça. Todo esse eh… currículo – vamos chamar assim – entre aspas, do presidente eleito, não assustou o senhor? Que já demonstrou aí… e destacou o que é alguém compromissado com a Constituição? Com os valores democráticos? Isso não criou uma certa dificuldade, uma eh… de o senhor fazer parte de um governo de alguém que tenha como currículo o enfrentamento sistemático à Constituição cidadã de 1988? [00:17:30]

Sérgio Moro: Professor, eu acho que por tudo que eu… que eu sempre, né, como me posicionei, mesmo no governo, não tinha liberdade total dentro do governo pra… pra falar o que eu pensava em determinados assuntos, mas até o meu histórico lá, como juiz, claro. Às vezes as pessoas compreendem mal algumas coisas, mas eu sempre fui um defensor arraigado aí do Estado de Direito, né? Tanto que eu acho que o principal MARCO da questão do combate à corrupção não é… não é a questão de colocar as pessoas na cadeia, de punir ninguém, não. Eh… o principal é o Estado de Direito, o {rule of law}, então, a gente fazer o império da lei acontecer porque isso é essencial pro regime democrático, a ideia da democracia é todos iguais perante a lei, a lei tem que proteger tanto o vulnerável, mas também tem que responsabilizar o poderoso que infringe a lei. É aquela velha ideia de que ninguém tá acima da lei. Não é? Então eu sempre tive esse… esse compromisso. É essas falas do presidente, pretéritas como deputado, é claro que era algo assim que realmente não… eh… não o favorecia. Mas, eh… durante o período eleitoral, pelo menos eh… eu senti que teria… teria tentado ali dar uma amainada nesse discurso, e a minha expectativa que ele, como presidente, iria obter a… a… a seguir uma posição mais moderada do que um deputado, o deputado normalmente fala pro seu grupo, um grupo específico de eleitores, né, às vezes ele pode até ousar algum radicalismo, não que se justifique essas falas, não é? Mas eu achei como presidente, que ele tem que governar pro país, pra as pessoas, ele teria uma postura mais moderada. E me parece que no começo, professor, até ele tinha, tinha um discurso mais moderado. Depois isso foi mudando – não é? – a… com algumas falas realmente desastradas, e isso num crescendo até pra esse ano, eh… mas no início eu tinha essa expectativa, avaliação errado, talvez da minha parte, mas que haveria uma moderação. Nós tínhamos lá os militares no governo, que diziam que ia ser um elemento moderador, nós tínhamos o Paulo Guedes, que era pra ser um fiador da área econômica, e eu me vi em certa parte não só como o… responsabilidade por implementar um… uma política… eh… na parte criminal mais efetiva, né, inclusive em relação a… à corrupção, mas também como um fiador de… de moderação na área do Estado de Direito. Talvez tenha feito aí uma avaliação equivocada, mas não fui só eu, né, muita gente fez essa avaliação.

Marco Antonio Villa: Xô perguntar pro senhor. A… por que as… eh… as pessoas fora do governo eh… não sabem como é o cotidiano do governo, o dia a dia de um ministro, e de um ministro importante, um ministro da Justiça, e o senhor, que é uma figura muito importante na história recente do Brasil. Os contatos administrativos com o presidente eram periódicos? Eu só tô falando periódico assim, claro que não precisa ter uma estatística, era uma vez por semana? Uma vez por quinzena? Uma vez por mês? Como era o seu cotidiano, o seu dia a dia entre o ministro da Justiça E da Segurança Pública e o presidente da república? [00:20:46]

Sérgio Moro: Bem, eh… nós acabávamos conversando às vezes por telefone, ou por troca de… de mensagens, isso era… era uma constância, e normalmente também uma vez por semana, a… eu me reunia com ele, conversava, seja sozinho ou com outros ministros, né, e dependia da situação. Às vezes até tinha mais de uma reunião por semana. Isso é algo assim, normal, né? E não… não tinha nem nada… nada de extravagante a meu ver, mas no contato com ele, eu tinha um contato realmente frequente. Né? (ininteligível) (sobreposição de vozes)

Marco Antonio Villa: E era… e era uma conversa que fluía? Se era uma… – desculpe – era então uma conversa que fluía? Ou havia uma relação já… eh… o senhor fez referência em certo momento aí, que não foi possível a… o senhor fazer tudo que gostaria de fazer no período que permaneceu como ministro da Justiça, e pressupõe-se nesse caso, por algumas dificuldades da esfera da presidência da república, que não teria… eu tô… eh… eh… no condicional, não teria eh… incorporado o conjunto da agenda do senhor, vamos falar assim, né? Isso, ele chegou a externar pro senhor? Como era esse… esse tipo de contato assim, nessa… nessa… ou por telefone, ou presencial? Por favor, (ininteligível). [00:22:05]

Sérgio Moro: Acho que não tem uma homogeneidade nessas conversas ou nesses encontros. Dependia muito do tema, né, e do momento no tempo também. Então, os encontros… inicialmente eram uns, depois as coisas mudaram um pouco, eh… não… na parte da agenda anticorrupção o que eu fiz uma crítica, né, inclusive publicamente, é que pelo menos a minha percepção, eu acho que em termos de escândalos, de corrupção, esse governo se encontra… eh… muito à frente do que aconteceu no passado, não é? Nós tivemos aí os grandes escândalos na época do Partido dos Trabalhadores, e embora o governo tenha os seus problemas, inclusive nessa área, né, mas pelo menos não se encontra no mesmo nível. Mas além disso, é importante você você construir UMA agenda anticorrupção, que significa respeitar os órgãos de controle, significa respeitar o Estado de Direito. E, por outro lado, você precisa também ter mudanças legislativas que melhorem esse quadro, e eu não senti aqui, eu digo isso com todo o respeito, e até fazer uma crítica construtiva ao presidente, que afinal de contas eh… a… ele ainda está no segundo ano de mandato, e pode mudar – não e? – eu não senti da parte da presidência um empenho nessas pautas específicas. Para colocar um exemplo, a execução em Segunda Instância, não é? Foi uma mudança que veio do Supremo Tribunal Federal importante, durante a Lava Jato em 2016, e infelizmente o Supremo Tribunal modificou a sua jurisprudência no passado, mas deu uma abertura: “Olha, se quiserem mudar a lei, ou se quiserem mudar a Constituição pra restabelecê-la, não existe nenhum problema.”, e Logo o Congresso, né, parte dos congressistas se mexeram e apresentaram tanto o projeto como a emenda. Até já tinha antes. Né, podia até ter evitado a reversão da jurisprudência do Supremo mediante uma aprovação anterior. Mas assim, eu nunca vi nada do… nenhum movimento do Palácio do Planalto nessa área específica, o que eu me via era EU, defendendo essa pauta. Eu falando pro os parlamentares, eu indo ao Congresso, em audiência pública, inclusive eu indo conversar com as lideranças para defender isso. Agora, o ministro da Justiça tem uma força, e o presidente da república tem uma força muito maior. Então, esse é apenas um exemplo, né, eu senti essa falta de empenho. Agora, o presidente tem todas as condições de provar que eu tô errado, porque essa pauta ainda permanece, nós temos os projetos lá no congresso, não é? Claro que durante a pandemia, eu acho que o foco acaba sendo outro. Mas, acabando essa pandemia, vamos então aprovar o restabelecimento da prisão em Segunda instância, né? É uma chance inclusive do presidente recuperar essa agenda, o que é bom para ele e o que é bom para o país. Né? Então, o que eu senti assim, eh… foi para ESSA agenda uma certa… falta… falta de apoio, uma falta de empenho, eh… da parte do Planalto, infelizmente dizendo isso, tenho que dizer isso, né? O pessoal às vezes fala: “Ah, cê não deve ficar criticando o presidente, porque você saiu do governo, tava no governo agora há pouco”, mas são críticas construtivas também, tem coisas que não tem como não falar, né?

Marco Antonio Villa: Deixo eu perguntar pro senhor, a… a… o presi… eu acho, quer dizer, acompanhando a política brasileira, que o presidente Jair Bolsonaro tem dificuldade de conviver com a democracia, com a pluralidade, com o Estado democrático de direito, com as instituições, em suma. A… e ele deu… claro que as manifestações de confronto com as instituições se acentuaram a partir de fevereiro desse ano, né, e são muito graves dentro da minha leitura. Mas há um fato que me… me traz muita preocupação, e como era… tinha uma relação com o senhor, que eu queria colocar, que é a seguinte: as polícias militares, eh… ah, eu tô muito preocupado – acho que outros também – elas parece que estão amotinadas, ela… há um motim permanente, né? O episódio recente do Distrito Federal, que o governador do Distrito Federal inclusive alertou, e foi obrigado a substituir o comandante, que já que o comandante o… tava com coronavírus, tava um comandante interino, foi obrigado a retirar, ele disse que ele não impediu aquele fato triste, né, daquele bombardeio do Supremo Tribunal Federal. E tem ocorrido manifestações pelo resto do Brasil, que têm trazido preocupação. A impressão que dá é que os governadores não comandam mais as PMs. Houve o episódio do Ceará, e aí é que eu tô querendo chegar. No episódio do Ceará a que… eh… polícia militar não faz greve, né? Aquilo lá era um MOTIM. O senhor lá esteve e não se manifestou de forma… ou… ou não? É por isso que eu tô colocando ao senhor, será que o senhor não se manifestou de forma eh… pouco… foi pouco FIRME em defesa da Constituição? Já que aquilo era um motim e o pre… e o diretor da Força Nacional chegou lá e considerou os amotinados heróis? Como é que fica essa questão? Como é que o senhor explica a posição do senhor nesse acontecimento? [00:27:07]

Sérgio Moro: Bem, veja, eh… greve, né, de… de policial é ilegal, não pode realmente ocorrer e isso é muito claro. A questão do Ceará é que assim, quem tinha, que tava fazendo greve era a PM, que é polícia estadual. Então a responsabilidade primária era do Estado, era do governador. Agora, o que aconteceu? Quando a situação começou a se agravar, tá, o Governo Federal eh… eu inclusive li a… defendi isso tal, perante o presidente, nós encaminhamos a Força Nacional. E em seguida foi um decreto de GLO, pra ambos os casos eu argumentei junto ao presidente, veementemente, da necessidade de encaminhar a Força Nacional e da GLO, por que? Porque na falta do… da presença dos policiais na rua, era essencial pra impedir o caos. Então essas medidas davam condição ao governador pra que lograsse eh… resolver aquela situação, tá? Eu fui até lá, fui eu, o ministro… o ministro da Fazenda e o… o André Mendonça, né, atualmente ministro da Justiça, nós fomos lá conversar com o governador, e o nosso papel era dar condições, tá, para que ele conseguisse resolver o problema. Não era nossa intenção nos envolver diretamente na solução, na questão, porque essa responsabilidade primária era do governador. Eu não poderia prometer, por exemplo, eh… aumento de salário; eu não poderia, por exemplo, dizer que eles iam ser punidos; porque isso é competência do… do governador. O que aconteceu? Apenas eu fui lá, eu falei – não é? – que a greve era ilegal e tal. Agora, o que eu não concordava, apenas, tá, era que algumas pessoas tavam fazendo era chamar os policiais de bandidos, ainda que eles tivessem infringindo a lei, tá, eu acho que chamar dessa forma, fazer esse tipo de ofensa, acabava queimando a ponte, acabava dificultando a negociação. Que qual que era o interesse? O interesse é que eles voltassem ao trabalho, e aí é um papel de convencimento, então não é do meu feitio, da minha natureza, né, ofender ninguém. E eu acho que pra sentar na mesa de negociação, ainda que seja… ainda que fosse pra pedir que simplesmente eles voltassem a trabalhar, chamá-los de criminosos, de bandidos, não era o melhor estratagema, e os ânimos estavam muito acirrados, porque dias antes tinha havido aquele episódio da retroescavadeira, né, do… do… do senador Cid Gomes, que foi lá com a retroescavadeira e ele levou tiros também, foi um episódio muito grave, então a situação tava muito difícil. Mas enfim, o Governo Federal não era o negociador daquela situação, nós apenas fizemos, e eu acho que isso fizemos bem, de dar ao Governo Estadual, com a GLO e com a Força Nacional as condições necessárias para vencer a greve. O Coronel Aginaldo, ele é o diretor da Força Nacional. Quem pediu para que ele FOSSE para lá intermediar foi o governador Camilo Santana, não foi o Governo Federal. Porque o Coronel Aginaldo é da Polícia Militar de… do Ceará. E ele é um oficial lá bastante prestigiado, tem um prestígio perante a tropa. Ele foi até lá e participou das negociações, pediu autorização, né? EU autorize que assim agisse, o presidente também foi comunicado, e a estratégia dele foi um pouco nessa linha que eu mencionei há pouco, você não… não… não resolve uma greve, né, a não ser que você quisesse recorrer à força, e aí poderia ter resultados imprevisíveis, a Força, por exemplo, pegar e tinha… tinha pessoas que entendiam que a gente tinha que invadir o quartel da PM. Né? Isso poderia acabar numa tragédia, acho que seria um grande erro. Certo? O que ele foi, foi uma estratégia de negociação, e quando ele foi filmado naquele discurso, claro que depois vendo o discurso retrospectivamente, aquilo parece reprovável, acho que ele exagerou um pouco nos elogios. Mas ele fez o certo, o que ele tava fazendo era aquela… eh… como você ter… quando termina com uma namorada, né? “Olha, você é… é… é muito… é muito bonita, você é uma pessoa especial; mas o problema não é você, sou eu”. Né? Então, mais ou menos é um pouco aquela lógica, então ele elogiou, né, pra buscar o convencimento em seguida, para que eles encerrassem a greve. Talvez tenha exagerado um pouco no exage… no… no… no teor do elogio naquele contexto. Mas, o propósito dele, ali era realmente eh… muito bem intencionado. Depois até, né, EU recebi inclusive mensagens do próprio governador Camilo Santana, agradecendo, né, o papel do Coronel Aginaldo naquela negociação, disse que tinha sido essencial. E o resultado final foi obtido, que era o final da greve, fim da greve.

Marco Antonio Villa: E… perfeito.

Sérgio Moro: Mas eu compreendo assim, a sua preocupação com esses movimentos da Polícia Militar, de… de greve, de paralisação, realmente não são aceitáveis, né? Greve de policial é ilegal, assim como greve de juízes e greves de qualquer pessoas em serviços essenciais. E de policial mais ainda, porque gera esse temor, né, que é um… é um servidor público armado. Não é? Mas ali, eh… pode-se até fazer alguma crítica ou outra NA estratégia adotada, mas o objetivo principal foi alcançado, de terminar a greve.

Marco Antonio Villa: Deixo eu perguntar pro senhor uma outra questão. Eh… quando a… a defesa do senhor solicitou a… a divulgação, né, da gravação da reunião de 22 de abril (de 2020), eh… eu imaginei na hora que realmente a reunião deveria ter sido assim, desastrosa, porque o senhor eh… na área de penal, juiz 22 anos, não ia fazer uma solicitação se aquilo teria sido uma reunião ao estilo da Academia Brasileira de Letras, né, uma espécie de (acha graça) chá das 5. Deveria ter acontecido coisas pavorosas, tal. E realmente aconteceram, eu fiquei – confesso ao senhor – estarrecido, eu nunca imaginei eh… que uma… uma reunião ministerial ocorresse daquela forma. Eu queria perguntar pro senhor, foram muitas reuniões ministeriais nesse que o senhor participou desde janeiro do ano passado até abril desse ano? E ela… e se foi, elas tinham mais ou menos esse tom? Ou essa foi um ponto fora da curva em relação a outras reuniões ministeriais? [00:33:45]

Sérgio Moro: Eu diria que elas tiveram diferentes qualidades, não é? Então, dependia muito do momento, eh… eventualmente tinha situações de tensão dentro da… da reunião. Mas eu diria que nas… as últimas reuniões eh… talvez por conta da… da… da tensão proveniente da pandemia, e das suas consequências, elas ti… eh… tiveram uma qualidade bastante deteriorada. Eu até me surpreendi quando siu aquele vídeo, eu ouvi uns comentários de algumas pessoas: “Ah, esse vídeo favorece o presidente”, né? “Esse vídeo reelege o presidente”. Não sei não, (acha graça) acho que eu vi o vídeo ERRADO, então. (riso) os caras… mas não, como… como pode alguém falar? Né? Serenamente fazer uma afirmação dessa espécie? Porque eh… de fato, a reunião ali muito… muito baixa qualidade de… de governança, sem entrar no mérito do… do que foi falado, não é? Eh… mas realmente eu acho que nos últimos meses, houve uma deterioração.

Marco Antonio Villa: E a gente percebe… eh… pela posição que estava a câmera, né, o senhor tava de frente, a… o senhor tava incomodado durante a… a reunião. Eu… eu, como expectador, que é como se fosse um cinema, né? (acha graça) O senhor tava até de braços cruzados, e… e um pouco incomodado. Eu percebi que o ministro da Saúde também, que acho que é a primeira reunião ministerial que ele participava, né, estava um pouco incomodado, acho que até pensando: “O que é que eu estou fazendo aqui?”. (acha graça) Agora, em certo momento, o presidente se dirigiu ao senhor, olhou, a questão das armas. Insistia que o ministro da Defesa e o ministro da Justiça resolvessem a questão de um decreto lá sobre as armas. Se eu tiver errado, o senhor, por favor, me corrija. Isso daí é um problema, né? Porque a ver… eh… eu temo isso, porque cê começa a ver um processo de… de… a população armada, isso pode gerar problemas gravíssimos no Brasil, que é um país violento. Nós somos, ao contrário do que diz, eh… do que dizem, né, o Brasil é um país violento. Qual é… qual era a sua posição em relação a essa questão, que divergia – se é que divergia – do presidente Jair Bolsonaro? [00:35:58]

Sérgio Moro: E quando entrei no… no governo, eu tinha ciência de que o presidente, NA campanha eleitoral, uma das suas bandeiras era uma flexibilização da posse de arma, né? Nossa legislação é muito rígida. E eu acho que essa reivindicação, não é da população em geral, mas existem segmentos da população que defendem um pouco má… uma… um pouco mais de flexibilização. Eu acho que é uma reivindicação legítima, pode-se até discordar dela, mas a reivindicação é legítima. A pessoa se sente mais segura tendo uma arma em casa, se de fato isso torna eh… dá mais segurança ou não, é uma questão controvertida. Mas evidentemente também a flexibilização nunca como uma política de segurança pública. Que isso quem tem que fazer realmente é o Estado. Quando eu ingressei, então, eh… nessa perspectiva, eu sabia que alguma flexibilização iria existir, inclusive no primeiro ou segundo mês lá do governo… eh… eh… o… nós editamos um… um decreto flexibilizando um pouco a… o porte de ar… o posse de arma em casa, né, até colocamos uma exigência lá que eh… a pessoa tinha que demonstrar que comprou um cofre se tivesse criança em casa, para resguardar a arma, isso foi também muito criticado na época pelo pessoal que defendia uma flexibilização maior. Mas depois desse… dessa Portaria, todo… as… outros movimentos de maior flexibilização de fato foram uma iniciativa do presidente. Né? E aí, iniciativa do presidente, o presidente decide, o presidente determina, eh… são questões também que você, dentro do governo, como ministro, você acaba eh… tendo que acolher. Não é? Então, nem sempre o que se decide se faz algo dentro do governo, é algo que você converge em absoluto, né? Quando chega o momento de falta de convergência total, você tem que sair. Não é? Então a minha posição, eu acho que é legítimo alguma flexibilização, eh… mas realmente talvez tenha se exagerado um pouco. Mas, isso foi tudo feito no âmbito infralegal, né? No âmbito legal muita pouca flexibilização houve. Houve uma pelo congresso, que achei razoável, da posse da arma no… no… em toda extensão do território do imóvel urbano. Né? O que é que tinha antes? Você podia ter uma posse de arma de fogo no imóvel rural, mas restrito à residência, restrito lá às quatro paredes. E poxa, a polícia muitas vezes não consegue eh… fazer qualquer espécie de… de vigilância, ou segurança, num âmbito rural. Já tem dificuldade de fazer no âmbito urbano. Então ali o… proprietário, seja o grande ou pequeno, poder andar armado em toda a extensão da proprietário rural, me parece algo razoável como posse de arma de fogo. Então isso foi feito na via legislativa. Agora, eh… isso eu também falei publicamente, eh… pretender, né, armar a população pra que a população se oponha a medidas sanitárias, né, que foi a fala do presidente naquela reunião, aí realmente é algo assim, eh… que não dá pra concordar, né? Não tem como concordar nesse tipo de… nesse tipo de postura. E eu acho que há um erro também que houve, eh… foi essa revogação da Portaria, isso é uma Portaria do Exército, relativo aí à mecanismos de rastreamento, de rastreabilidade de municípios e armas, eu acho que isso foi um equívoco também. Mas foi uma decisão, né, também que veio do Planalto, né? O presidente também critica: “Ah, o Moro não é… se opunha a armamentismo, o Moro é desarmamentista”… eu acho que tem uma legitimidade eh… em certa medida na flexibilização. Mas a grande questão é até quando? Até quando, né? Ou em que medida? Acima de determinada medida começa a ficar perigoso, porque essa arma aqui, a pessoa pode ter acesso no meio legal, pode ser desviado pro crime organizado, ou eventualmente chega nas mãos de pessoas que não tenha o preparo psicológico, ou técnico, pra… pra poder andar armada, ou ter uma arma em casa. Então tudo tem que ser pensado de um ponto de vista também muito pragmático.

Marco Antonio Villa: Xô perguntar uma questão pro senhor que todo mundo acho que fica sempre com uma interrogação. O… e foi tratado na reunião de 22 de abril (de 2020), quando o presidente se dirigiu ao senhor, a… e dizendo eh… ele queria ter um controle, queria… ele queria uma superintendência da PF pra chamar de sua (acha graça), que era do Rio de Janeiro, tendo em vista supostos crimes eh… que teriam sido cometidos pelo… o… um dos seus filhos e supostas relações com as milícias lá no Rio de Janeiro, e que a Polícia Federal estaria investigando; a questão do episódio – triste episódio – Marielle Franco e tal. O ministro da Justiça SABE o que cotidianamente faz a Polícia Federal? Quantas vezes o ministro da Justiça conversa com o diretor-geral da Polícia Federal? Ou a Polícia Federal tem uma autonomia de trabalho e eventualmente o ministro conversa com a Polícia Federal? Como é esse cotidiano administrativo, Doutor Moro? [00:41:21]

Sérgio Moro: Eu sempre entendi que o… a minha responsabilidade principal é dar estrutura pros órgãos vinculados ao Ministério da Justiça, e escolher bons dirigentes pra eles. Não é? Então assim, eu não ficava interferindo no dia a dia, no cotidiano, nos detalhes de… de cada uma das operações, seja da Polícia Federal, seja da Polícia Rodoviária Federal, seja do Arquivo Nacional, né? Então o que é que eu fiz? Procurei escolher boas pessoas, e dava diretivas gerais. No caso da Polícia Federal, eu escolhi o diretor, né, o diretor que tinha trabalhado aqui em Curitiba, do… durante lá o período inclusive da… da Lava Jato, né, boa parte do período, e tinha também um histórico profissional eh… muito qualificado, já tinha sido adido nos Estados Unidos, já tinha sido da diretoria, e eu dei as diretrizes pra ele: “Olha, o que eu quero da Polícia Federal? Foco na… combate à corrupção, tá, e foco também no combate ao crime organizado”, essa era uma parte que eu acho que a Polícia Federal podia fazer mais do que vinha fazendo. Certo? Teve um pro… um momento difícil aí, porque a Polícia Federal tava com os quadros um pouco reduzidos. Isso já vinha, já veio dos… do governo passado. E nós aí tínhamos um concurso em andamento pra 500 vagas, ampliamos as vagas pra 1.000, mais de 1.000, e com isso nós conseguiríamos fortalecer a Polícia Federal, porque claro, tem que trabalhar com tecnologia, tem que trabalhar com algumas coisas, mas o recurso humano é sempre importante. E além disso eu me permitia, né, dar sugestões. Então, por exemplo, eu falava pro… pro diretor: “Olha, acho que a gente tem que… vai… investir em… novas técnicas de investigação, por exemplo, utilização de agente policial encoberto, disfarçado, que a gente usa pouco aqui no B”asil”. Né? Nós conversávamos de como fazer isso, e buscava dar essa estrutura pra isso acontecer. Mas por exemplo, mexer no dia a dia de operação policial, de investigação, não. Inclusive eu não nomeio nenhum superintendente. Não é? Eu… o diretoria da Polícia Federal tinha autonomia completa pra escolher o superintendentes de cada Estado. Não escolhi nem do Paraná, né? Eh… acabou a… eles escolhendo lá um bom policial, como escolheram em vários lugares, mas eu acho que não cabe ao ministro da Justiça ficar fazendo isso. Sobre operações, às vezes eu tinha conhecimento. Né? E às vezes a gente trabalhava até em alguns detalhes, por exemplo, quando tem a transferência das lideranças do PCC de São Paulo pra… penitenciária federal, algo que tinha que ter sido há muito tempo, essa foi uma operação que eu me ocupei mais higidamente, porque envolvia não só Polícia Federal mas envolvia também o DEPEN, envolvia Polícia Rodoviária Federal, envolvia as Forças Armadas, envolvia o governo de São Paulo, então era isso que demandava ali um papel mais próximo pra que nós pudéssemos acompanhar aquele tipo de operação. E eventualmente alguma operação sensível, que me informavam, quando não havia nenhum risco de – vamos dizer assim – eh… por exemplo, uma prisão de um grande líder do tráfico de drogas, ou uma operação grande contra uma quadrilha de crime organizado. Quando eram essas operações sensíveis envolvendo políticos, né, a orientação era a mesma coisa do que era feito no passado, isso era me comunicado eh… quando já da realização das diligências ostensivas, né, tipo busca e apreensão e tal, e a gente comunicava eh… eventualmente o presidente. Quando teve a busca e a apreensão, por exemplo, no… envolvendo o senador Fernando Bezerra, eu fui comunicado e daí comuniquei o presidente quando a diligência já tava em andamento, e já não havia nenhum risco à… à sua realização, porque a gente tem que se preservar também, né, o ministro da Justiça, ele não é o delegado, né, do caso. Ele não é o diretor da Polícia Federal, não cabe a ele ficar lá cuidando desses detalhes específicos, até porque seria impróprio, né? Não posso ter conhecimento de algumas investigações sigilosas, inclusive.

Marco Antonio Villa: Eh… mais só uma questão sobre a questão da Polícia Federal, eh… Doutor Moro, que foi uma das razões e presumo eu que o senhor tenha saír… pedido pra sair do governo, né? Eh… eram constantes as cobranças do presidente da república? Que criou um constrangimento a tal ponto que o senhor, a 24 de abril (de 2020) optou por sair do governo? [00:46:03]

Sérgio Moro: É, isso foi objeto do meu depoimento do inquérito, está sendo… sendo apurado. O… que eu sempre entendi, isso já como juiz, você tem que preservar a autonomia dos órgãos de investigação. Tá? Na época da Lava Jato, por exemplo, se a presidente Dilma pudesse trocar, né, o delegado responsável pelo caso lá em… em Curitiba, ou trocar o superintendente, né, isso seria algo absurdamente impróprio, isso afetaria a qualidade lá do… dos trabalhos, isso mandaria um sinal pra corporação de que ela tava… tava agindo de maneira errada e prejudicando o governo. Eh… a mesma coisa o diretor, né? O diretor, na época o {Daielo}, teve uma longevidade enorme. A gente OUVE até boatos, tal, não sei se verdadeiros ou não, que até TEVE alguma coisa, e tal, mas nunca avançaram o sinal, enendeu? De… de realmente fazer uma mudança, porque viam que teria resistência. houve a mudança ali, no… no governo do PT, quando eh… houve aquela diligência em relação ao ex-presidente Lula, tá? Daí saiu o José Cardozo, entrou um… um procurador lá, o {Eugênio Aragão} – não é? – e chegou e assumiu e já ameaçou a Polícia Federal de que se tivesse qualquer vazamento, ele ia demitir todo mundo, fez uma declaração em entrevista. E aquilo pegou muito mal dentro da instituição e dentro da imprensa na época, e ele perdeu, a meu ver, condições de trocar ali o pessoal da Polícia Federal naquela… naquela investigação. Então assim, tem que se preservar essa autonomia. Quando o presidente passa a insistir, insistir reiteradamente em trocar o diretor da Polícia Federal e trocar o superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, e a gente foi resistindo como pôde, mas eu entendia que esse era o meu – como é que se diz? – o meu Álamo, porque aí, se efetivar isso eu tô fora, porque daí eu não tenho mais a segurança pra evitar que se vai fazer alguma coisa imprópria eh… se não for… eh… se fosse algum nomeado diretamente do… do presidente. E o presidente me deu razões, os motivos que o presidente me apontou pra justificar essa troca, são motivos que eu… não… não poderia aceitar, né? Isso foi objeto do inquérito, isso consta em mensagens, isso consta em gravação, e veja, eu, como juiz, né, se alguém falasse pra mim (acha graça), isso na época lá como juiz, que precisava trocar o delegado por conta disso, disso, por motivos equivalentes, ah, não… não tem como, né? Num dá, num dá, isso aí… eh… não tenho como compactuar, eu SAÍ, eh… não era minha intenção prejudicar o governo, isso eu falei muito claramente, mas aí era minha intenção sim, proteger a Polícia Federal, e a única forma de proteger, seria externar as razões da minha saída. E é o que eu falei é verdade, tanto que depois tem gravação, tem mensagem, né, fora o que eu ouvi, né, e falei no processo.

Marco Antonio Villa: Xô poerguntar pro senhor. Na história do Brasil republicano, os filhos dos presidentes desde Deodoro da Fonseca, que não tinha filho, (acha graça) vale lembrar a… eh… nunca se envolveram eh… ou num… com a… com a administração pública, tal, passando por Floriano, e isso até chegar ao Michel Temer. Eh… há um… um… um ponto fora da curva é justamente a gestão, a partir de… de janeiro do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro e a presença especialmente dos seus três filhos mais velhos na cena política, né? Um é vereador, mas sempre está em Brasília, Carlos; o outro é deputado federal, Eduardo Bolsonaro, que seria – ainda bem, não foi embaixador nos Estados Unidos – e o outro é senador Flávio Bolsonaro. Bem, eh… o senhor teve contato nesse período, nesses 12 mais… mais 4… 16 meses de governo com os filhos do presidente? De forma cotidiana, ou não? [00:50:00]

Sérgio Moro: Conversei com eles várias vezes, não é? Eles frequentemente tavam no Planalto, encontrei também fora do Planalto, teve vezes também que eles foram no Ministério da Justiça. Então, tinha com eles ali um relacionamento normal, mas não era um relacionamento próximo em relação a eles, e essas eh… atuações deles eram mais junto ao presidente do que propriamente junto… junto a mim. Né? Então… eh… eu não gosto muito de falar dos filhos do presidente, porque… a… qual que éra a minha opinião assim? Sabe? Eh… claro que a gente entende a questão da… da… da imprensa, da abordagem eh… de… de… de falar nisso. Mas eh… eu acho que é uma questão de família, né? Então prefiro não… não… não entrar muito nesse… nesse mérito da questão dos filhos, assim como pretendo que… Gostaria, né, que não mexessem com a minha família, embora minha família não tem (acha graça) nenhum problema específico, entendeu? Mas eh… meio estranho, né? Então algumas pessoas às vezes eu ouvia assim, falavam bem do presidente, mas falavam mal dos filhos. Daí eu fala… daí eu pensava comigo: “Mas como é que cê vai ficar bem com o presidente falando mal dos filhos?”, né, não vai, não vai dar certo, essa estratégia (acha graça), ela não funciona. Mas enfim, eu tive algum contato com eles, mas não foi um contato próximo.

Marco Antonio Villa: Eh… MAS, como eles exercem funções eh… políticas, e algumas vezes informais, o Carlos Bolsonaro é uma espécie de ministro sem pasta, como chamaríamos no (acha graça) Parlamentarismo, né? A… ele disse hoje, fez uma postagem, eh… dizendo que o senhor é culpado pela angústia do Brasil. (riso) Eu não entendo muito bem o que ele escreve, porque ele tem um pouco de dificuldade com a língua, mas eu entendi, pelo que ele escreveu, que o senhor é culpado pela angústia do Brasil. Qual que é o seu… como é? O senhor é culpado pela angústia do Brasil? [00:51:56]

Sérgio Moro: Pôxa vida. (acha graça)

Marco Antonio Villa: (acha graça)

Sérgio Moro: Não, né? Isso aí, eu não… não… não vou respondê-lo, não.

Marco Antonio Villa: Não?

Sérgio Moro: O Carlos Bolsonaro, né? Eu acho que eu apenas fiz o meu trabalho e cumpri ali o meu dever, né? Como foi na época da Lava Jato, o pessoal até hoje eh… me persegue, né, o pessoal da esquerda principalmente, pelo menos vinculado ao Partido dos Trabalhos e satélites, até hoje dizem lá que o Lula é um preso político, que não teve nada, que não teve crime, que a Petrobras, os crimes, pelo jeito brotaram sozinhos, foi uma espécie de geração espontânea eh… biológica. E eu sempre tive uma… são as provas, os processos, e eu cumpri o meu dever. Outros juízes também confirmaram, né, o que eu disse, então assim, pra mim, ficaria muito melhor se eu não tivesse condenado o Lula, porque isso pra mim só trouxe desgaste, entendeu? Não que eu não devesse ter condenado, mas assim, a minha vida seria muito mais tranquila, sem esse tipo de episódio. A mesma coisa em relação ao governo, seria muito mais confortável pra mim ter ficado no governo, ficado quietinho em relação à essa interferência na Polícia Federal, ou as outras… eh… falhas do governo em relação à agenda anticorrupção. Eh… Poderia tá lá fazendo como outros trabalhando intensamente por uma vaga no Supremo – não é? – eh… nunca vi tanto concorrente pra uma vaga que nem existe, né? Parece aquela corrida maluca, né, que a gente via nos… tinha aqueles desenhos antigos. Eu ficaria muito mais confortável se eu não tivesse cumprido o meu dever. Agora, chegou uma situação-limite que eu não gostei, porque aconteceu na pandemia, tá? Eu acho que até ter feito isso na pandemia foi inapropriado, me obrigou a sair durante a pandemia, né? Algo… Eu preferia ter continuado pra tentar pelo menos contribuir de alguma forma ali, MAIS, né, do que a gente tava fazendo, mas eu achei que tinha cumprido o meu dever. Então assim, até a gente entende o… animosidade pessoal dos seguidores do presidente, dos filhos do presidente, do próprio presidente, mas pra mim nunca tem esse lado pessoal, não. Eu apenas cumpri lá com o meu dever, e revelei coisas que são verdadeiras, né? Então, não dei start a nada, eu apenas… lá tive que fazer aquilo que eu fui obrigado a fazer, porque outros me obrigaram, né, não porque eu queria. Enfim.

Marco Antonio Villa: O senhor não é mais juiz. O senhor se arrepende de ter deixado a magistratura? Eu… o senhor se arrepende? [00:54:41]

Sérgio Moro: Essa é uma questão bastante complicada, né? Veja, eh… (acha graça) eu fui juiz por 22 anos, é um caminho sem volta, a gente não tem como se licenciar e voltar, então tive que pedir exoneração. E agora eu vou precisar me reinventar. Mas eu tô bem consciente que eu tomei uma decisão RACIONAL na época, tá, eh… BEM intencionada, a ideia foi… eu… eu tive contato com esses magistrados italianos, o {Percamilo Davivo} e o {Herb Colombo}, e eles sempre falavam da lava… da… da… da Mãos Limpas com um certo grau de… de ressentimento, no sentido assim: “Olha, fizemos todo esse trabalho e depois o sistema político reagiu contrariamente. E hoje – segundo eles – é mais difícil processar corrupção na Itália, do que era na época da… da Mãos Limpas ou até antes”, né? Até o {Percamilo Davivo} tem uma anedota, que ele contou aqui no Brasil, que é muito interessante, uma história lá de infestação de mosca, eh… saiu em algumas revistas, né? Disse que na época lá, numa época na Itália tava com infestações de moscas intensas, e… O… dirigente máximo da Itália, acho que é até na época do fascismo, lá, o… Mussolini, fala que todos os prefeitos deveriam exterminar as moscas. E aí, vai um emissário do fascismo lá numa cidade, e quando ele abre a porta, vem aquele enxame de mosca. E aí, o… emissário lá diz… – o fascismo tá nessa história, tá gratuito, tá? Mas é a história que contaram. Né?

(riso)

Sérgio Moro: Não tem nenhum sentido eh… oculto aqui. (acha graça)

Marco Antonio Villa: Sei. Sei.

Sérgio Moro: Mas aí o emissário diz: “Ê, prefeito, o que aconteceu? Né, não cumpriu as ordens do… do… do Duce?”, né? Daí o prefeito fala: “Olha, eu tentei, mas as mosas venceram aqui”. (acha graça)

Marco Antonio Villa: (riso)

Sérgio Moro: Então é um pouco nessa linha, eu senti uma frustração deles e o que eu pensava comigo: “Puxa, não quero daqui a 10 anos”, tá, olhar pra trás, e “puxa, fiz, foi feito tudo aquilo”, uma dose de sacrifício enorme da Sociedade que foi às ruas, do… juízes, dos promotores, dos policiais, né, tudo isso teve um custo, teve um custo grande de… de sacrifício pessoal, e as pessoas principalmente, né, que foram às ruas protestar contra… contra a corrupção e por um país mais limpo. Então pensava: “Eu não quero daqui a 10 anos olhar pra trás e dizer que as moscas ganharam”. Entendeu? Então eu VI essa oportunidade, essa janela de oportunidade. E tive lá, na conversa com o presidente, eh… e eu sou um homem de palavra, né, assumi um compromisso de que seriamos firmes contra a corrupção, crime organizado e eh… criminalidade violenta. Eu me mantive fiel a essa palavra até o final, inclusive saí por conta disso, tá? Enfim, então acho que escolha foi acertada na época, né, vendo retrospectivamente, talvez far… fizesse diferente? Talvez. Mas não queria deixar perder essa oportunidade de fazer algo mais efetivo.

Marco Antonio Villa: O senhor não é mais juiz, não é mais ministro, mas é um cidadão brasileiro muito conhecido, popular, tem lá nas pesquisas sempre mostram que o senhor nunca externou, mas o senhor é o furte candidato a 2022, o senhor não falou que é candidato, nada disso. Mas, as pesquisas perguntam, e o senhor é um… sempre está bem colocado nas pesquisas. Eh… politicamente, o senhor… e… eh… eu sei que… eh… dentro do sentido clássico, porque no Brasil esquerda nem sempre é esquerda e direita nem sempre é direita, o Brasil é um país um pouco diferente. Mas no sentido clássico, o senhor citaria eh… a sua… a… situação num sentido político, em que lugar o senhor se coloca? Na esquerda? Na centro esquerda? No centro? No centro direito, na direita liberal no sentido clássico europeu? Eh… nos conservadores, no sentido britânico? Aonde o ser se… se coloca politicamente? Hoje, acho que é possível falar, né? Porque o senhor não é mais juiz, não é mais ministro, não tem esses impedimentos, né? [00:59:05]

Sérgio Moro: É, essa rotulagem é um pouco complexa, né? Então, por exemplo, a própria questão do combate ao crime, eh… muitas vezes aqui no Brasil é relacionado a uma… uma posição da direita, mas no fim, eh… por exemplo, combate ao colarinho branco, crime de colarinho branco, normalmente é o contrário, é associado muitas vezes à esquerda. Eh… então, tudo depende muito do contexto. Na Itália lá na Mãos Limpas, quem mais eh… se envolvia naqueles esquemas de corrupção, era tnato a esquerda como direita, Democracia Cristã, como na época o Partido Socialista. O que eu posso dizer assim, eu não me coloco nos extremos, nem extrema esquerda, nem extrema direita. Eu acho que tô mais ali pra região do centro – não é? – e entendo aí que tem políticas importantes na área tanto do espectro político da direita, como no espectro político eh… da esquerda. Eu acho que tem que ter uma visão principalmente muito pragmática nessa área específica, né? Agora, acima de tudo, eu acho que respeito à democracia, às instituições, e o {rule of law} são fundamentais, e até porque são condições necessárias pro próprio desenvolvimento econômico e pro bem estar das pessoas. Porque o que a gente muito ouve agora de reclamação sobre essa instabilidade, sobre essa falta de previsibilidade, e os agentes econômicos dependem disso. Certamente existe uma questão da pandemia, que gera um nível de incerteza, independentemente até em certa medida do governo. Mas esse clima de instabilidade é terrível, então nós precisamos ter assim, eu não posso eh… acordar de manhã e ficar pensando se vai ter um… um golpe, ou não vai ter um golpe, ou se um golpe é uma ficção, ou se o golpe é… não é uma ficção”. Isso é uma situação, a meu ver, intolerável, né? Isso não… não ajuda o país, isso pre… prejudica. Enfim, eh… eu me coloco mais no centro mesmo.

Marco Antonio Villa: Então, indo pra… pra… agradecendo, já indo pro final da nossa conversa, Doutor Moro, o que o senhor… vai… o que o senhor vai fazer agora? Quer dizer, eh… o senhor não pode, o senhor já disse, claro, e todos nós sabemos, voltar a ser juiz, eh… o senhor está em quarentena pela determinação, né, a… que todos os… tem… a… de 6 meses, o senhor é um professor universitário, a… o senhor é uma espécie de pré-candidato informal, apesar que nunca disse isso, mas as pessoas gostariam que o senhor fosse candidato, dizem que Podemos até seria o partido que o senhor ia se filiar, mas o senhor nunca falou isso também. A… o que é que o senhor vai fazer agora? Quer dizer, o cidadão Sérgio Moro, o que é que vai fazer a partir de agora? [01:01:53]

Sérgio Moro: Eu tô vivenciando uma quarentena jurídica, né, o… o… algo normal, na verdade, o comitê de ética eh… acabou decidindo também em relação ao ministro Mandetta, mas em relação a mim também, são 6 meses de quarentena, eh… eu tô fazendo… me dedicando um pouco à vida acadêmica, ti… já era professor antes e vou aprofundar um pouco essa… essa linha. E… ainda tô me recolocando, professor, não… num tem ainda muito certeza eh… exatamente do que eu vou fazer, mas provavelmente vou ter que me reinventar na área do… no… no setor privado. Quero continuar participando do debate público, né, acho que essas discussões fazem parte aí do… do desejo de todo cidadão – não é? – o trabalho, vou… vou discutir isso com minha esposa, sou um cidadão comum. E, enfim, eh… o futuro ainda é… um pouco incerto.

Marco Antonio Villa: Bem, eu queria agradecer o senhor, o senhor foi muito gentil, a… ficamos aí conversando, até eu brinquei com um amigo do Paraná, eu ia falar de futebol com o senhor. O senhor torce pro Atlético Paranaense, né? [01:03:01]

Sérgio Moro: Pôxa, esse também um segredo que eu não…

(gargalhada)

Marco Antonio Villa: Mas tem uma foto do senhor na Arena da Baixada, uma vez eu vi lá, eu sou santista e tal, e uma vez tivemos o… perdemos do Atlético Paranaense numa Libertadores. Ô, aquele jogo foi terrível! Então (riso) [01:03:20]

Sérgio Moro: Essa é que nem aquela história do… do… do centro, né? Eu até disse lá, centro-direita, centro-esquerda. (acha graça) Ah, eu tô no centro, talvez um pouco… um pouco mais inclinado ali pra a direita, hoje em dia. Mas eh… a questão do time é assim também, né? Você fala que… em Curitiba que é torcedor do Coxa, a torcida do Atlético fica braba com você, se falar que é torcedor do Atlético, o pessoal do Coxa fica brabo com você. (acha graça) Então, e como você tem muitos fãs em uma área e outra, a gente fica um pouco receoso de decepcionar as pessoas, né? Mas eh… o meu filho é atleticano. O meu filho é atleticano, nasceu aqui, eu na verdade não sou daqui, né, eu nasci no… norte do Paraná, eh… então normalmente o pessoal do norte do Paraná não torce pros times de Curitiba. Gosto deles, vou, vou nos jogos tal, etc. Mas a origem é outra, né?

Marco Antonio Villa: É. Então o senhor é palmeirense, acho, hein? (riso)

Sérgio Moro: É? (riso)

Marco Antonio Villa: Descendência italiana… (acha graça) [01:04:14]

Sérgio Moro: Vamos deixar isso pra uma outra… pra uma outra entrevista aí (acha graça), vamos deixar por aqui mesmo.

Marco Antonio Villa: Então tá bom, queria agradecer muito o senhor a gentileza de ter conversado conosco, e sempre é muito bom, o senhor é um participante ativo, espero que continue participando da vida política brasileira, é importante a sua contribuição, especialmente nesse momento… eu acho o momento mais difícil da História do Brasil republicano, o senhor fez referência à pandemia, a crise sanitária mais grave da História do Brasil, a crise econômica, a recessão mais grave será esse ano, infelizmente, menos 7, menos 8 do PIB. Crise política institucional, quer dizer, a contribuição do senhor é importante nesse momento, eu espero que o senhor continue tendo essa participação como cidadão, e tudo indica, o senhor não vai dizer, mas em 2022, o senhor tará presente no processo eleitoral (acha graça), né? Essa é uma possibilidade muito grande, né? Então… [01:05:06]

Sérgio Moro: (ininteligível) mas talvez mas como eleitor. (ininteligível) com certeza que eu vou votar lá.

Marco Antonio Villa: Tá bom.

Sérgio Moro: Não vou justificar.

Marco Antonio Villa: (acha graça) Tá bom. Muito obrigado, senhor Doutor Moro, e tele entrevista, tá bom? [01:05:17]

Sérgio Moro: Tá. Muito obrigado aí, muito obrigado.

(fim da transcrição) [01:05:19]


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