Transcrição de áudio – A caravela e a nau um Choque Tecnológico no século XVI
Transcrição de áudio – A caravela e a nau um Choque Tecnológico no século XVI
Documentário transcrito – Caravelas e Naus um Choque Tecnológico no século XVI traz a transcrição de áudio em estilo editado, com o uso de português mais correto possível. Sempre será necessária uma revisão da parte do cliente.
Os tempos marcam cada vez que muda um falante, os falantes não foram identificados.
Veja o vídeo Documentário na íntegra https://youtu.be/7xUEZt0_osc
[00:00:08] O Tratado de Tordesilhas
No Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, está guardado um dos mais incríveis tratados históricos. Há mais de 500 anos, em 1494, Portugal e Espanha dividiam o mundo. A 370 léguas das Ilhas de Cabo Verde, era traçado um meridiano que delimitava zonas de influência. As terras e os mares a leste seriam de Espanha, as terras e os mares a oeste seriam de Portugal. Estava celebrado aquilo que ficaria para a história como o Tratado de Tordesilhas.
[00:01:08] O Reino de Portugal e o império além mar
Portugal é um pequeno reino situado no extremo sul da Europa, lançava-se à conquista dos mundos, quebrando barreiras físicas psicológicas até então intransponíveis. De idade de dois mundos fechados, dominado por medos e mitos, a idade do mundo em movimento, Portugal esteve na vanguarda. Os portugueses souberam criar e adaptar as melhores embarcações. E dominando ventos e marés, foram os primeiros a chegar à África, Índia, Brasil e Japão.
[00:01:33]
O que é espantoso acerca das explorações portuguesas do século XV ao século XVI é que fizeram com que um pequeno país europeu formasse um enorme império espalhado pelo mundo.
[00:01:51]
E isto só foi possível porque houve embarcações capazes de enfrentar mares nunca antes navegados, vencendo medos e tempestades nunca antes vistas. Mas afinal, que navios seriam esses que permitiram viagens tão extraordinárias?
[00:02:04] Instituto Superior Técnico de Lisboa
Nuno Fonseca é engenheiro naval e dirige um trabalho de investigação que pretende revelar como seria uma embarcação que fazia as mais longas viagens dos descobrimentos portugueses.
[00:02:14] Nuno Fonseca
Portanto é evidente que Portugal, nesta altura, dominava tecnologia de construção naval; e estes navios eram um dos mais avançados que faziam naquela altura.
[00:02:21]
Era uma tecnologia de ponta. Visto por este lado, é parecido com o vai vem espacial. O vai vem é o melhor que se pode construir na aviação espacial. Da mesma forma, os navios construídos para as descobertas eram os melhores navios da altura.
[00:02:38]
Estamos a falar da utilização de tecnologia de ponta, é o melhor que há em cada momento. Simplesmente uma coisa é ir para o espaço com a parafernália imensa de computadores atrás e com uma capacidade de programação e preparação das viagens que existe hoje em dia, e outra coisa é ir para o mar no século XVI.
[00:02:58]
Era muito mais difícil a vida a bordo dos navios veleiros no século XVI, do que viver a bordo do Spaceshuttle.
[00:03:09]
E isso até se prova porque já há turistas espaciais e no século XVI por turismo ninguém navegava.
[00:03:15]
Se pensar que somos muito avançados, cometemos um grande erro. Porque se recuarmos 500 anos, percebemos que houve uma capacidade extraordinária das pessoas para pegar na tecnologia contemporânea e usá-la de uma forma que lhes permitiram fazerem coisas que nenhum de nós poderia fazer hoje.
[00:03:35]
Empreendimento organizado de descobrimento a longo prazo, o feito dos portugueses foi mais moderno e mais revolucionário do que as largamente realizadas proezas de Colombo.
[00:03:42]
Não existe uma única pessoa entre nós que hoje seja capaz de fazer o que um navegador português conseguiu fazer há 500 anos.
[00:03:53]
Apesar de terem dado início a uma época fabulosa de descobrimento e exploração do mundo, os navios dos descobrimentos são quase totalmente desconhecidos. Hoje sabe-se mais sobre os navios de há 2 mil anos do que os navios dos séculos XV e XVI, por que?
[00:04:07]
Não há quase nada descrito acerca de construção dos navios da Idade Média. As pessoas não escreviam acerca de como se faziam as coisas.
[00:04:16]
Isto traduz uma situação curiosa. É que os portugueses chegaram ao Japão 120 anos depois de terem iniciado os descobrimentos, com toda a evolução que isso significa, sem que existisse qualquer tratado técnico de construção naval.
[00:04:28]
O que em rigor significa também que entre 1420 e 1421 e até acerca de 1570, quando aparece o primeiro texto técnico, todo o nosso trabalho é feito sem documentos feitos por técnicos ou com conhecimentos técnicos que nos expliquem como são exatamente as embarcações.
[00:04:48]
Se recuarmos 500 anos, percebemos que o trabalho nos estaleiros se baseavam na passagem oral do conhecimento.
[00:04:55]
Um mestre tinham conhecimentos que eram transmitidos de pai para filho, com a documentação mantida secreta, não porque se reportasse à construção de navios secretos, mas por uma razão que se define de uma forma muito simples, é o sigilo profissional.
[00:05:10]
Havia uma política de enorme confidência. Não sei se seria chamado sigilo, sigilo talvez seja exagerado, eu lembro que os reis na altura, e sobretudo Dom João II era um político. E ele sabia que um dos segredos de seu sucesso era conseguir de evitar a concorrência.
[00:05:26]
Por vezes, Dom João II distribuía falsas informações para distrair – digamos assim – os seus adversários.
[00:05:35] Estaleiros da Vila do Conde
Rogério de Oliveira é almirante e arquiteto naval. Esta é a sua mais recente obra, a réplica de uma nau que terá feito uma das primeiras viagens entre a Europa e o Oriente no final do século XV. Mas, se não existem certezas quanto às características dos navios dos descobrimentos, com que fundamento está a ser construída a réplica da nau de Vila do Conde?
[00:05:57]
Pode se dizer que ela foi projetada para representar uma nau que construída, segundo regimentos da época, pudesse ter existido.
[00:06:12]
Isto quer dizer que o navio foi projetado com base na iconografia da época, e nas regras de construção que se admitem existir nessa data. Depois, com a ajuda de um modelo computacional, criado para o efeito, Rogério de Oliveira chegou à forma atual.
E no caso do Instituto Superior Técnico?
[00:06:29]
Por um lado temos a utilizar vestígios arqueológicos de uma nau da Índia que foi encontrada à entrada do Rio Tejo. Por outro lado, teremos a utilizar os tratados de construção naval dos finais do século XVI, início do século XVII, no entanto nós vamos desenvolver trabalho também com os modelos computacionais mais avançados que existem neste momento.
[00:06:55]
Estamos a bordo de uma embarcação que se considera ser uma réplica tão exata quanto é possível de uma caravela dita dos descobrimentos.
[00:07:05]
Depois de ter sido posta em causa a discussão de uma réplica credível por falta de informação, Rogério de Oliveira aceitou o desafio, não teve receio das críticas e assumiu eventuais desvios em relação ao que seria uma verdadeira embarcação quinhentista. Assim surgiram as réplicas Vera Cruz, Boa Esperança e Bartolomeu Dias.
[00:07:23]
Os historiadores da náutica e os marinheiros têm debatido sobre a fiabilidade dessas réplicas. É muito difícil chegar a uma conclusão.
[00:07:35]
Acho que o que se descobriu foi que essas embarcações eram mais complexas do que se pensava. Talvez até mais avançadas do que se pensava, e tinham problemas que desconhecíamos.
[00:07:55]
Quem olhar por exemplo para a replica da caravela que se encontra hoje ancorada em Lagos, à primeira vista diz que é um navio demasiado alto que tem um centro de gravidade muito acima do mar e que terá dificuldades em navegar.
[00:08:09]
Tenho impressões que de que para mim tem que ter um centro de gravidade, penso eu que extremamente estável. Ou ao menos da nossa experiência até agora com a navegação.
[00:08:21]
A caravela Boa Esperança já enfrentou grandes tempestades com vagas de 12 metros.
[00:08:27]
Já navegamos com água pelo Sobrado do Salão com as nossas bombas de fundo a trabalhar constantemente dia e noite para manter o nível d’água. Se não fossem os meios adequados e modernos que temos a bordo, já tínhamos ido a fundo.
[00:08:45]
Mas quando o navio está de facto a navegar com as velas armadas e com o vento forte, ela navega perfeitamente e controla perfeitamente a ondulação. Por isso é difícil dizer que não é uma réplica adequada. A grande prova é elas serem capazes de navegar até o Cabo da Boa Esperança.
[00:09:00]
Fui um dos poucos estrangeiros a ser membro da tripulação da caravela Boa Esperança durante alguns anos. E para além de um grande privilégio, foi muito divertido para alguém que é historiador de assuntos marítimos. Fizemos várias viagens juntos.
[00:09:18]
Há pessoas que têm ainda muitas dúvidas quanto à fidelidade e a segurança que os elementos de informação nos transmitem. Há outras pessoas que consideram que a maior parte dos problemas estão resolvidos. Creio que entre todos ninguém pode afirmar da certeza absoluta do que sabe o que é caravela dos descobrimentos.
[00:09:35]
No nosso ponto de vista não existem atualmente elementos históricos onde nos precisamos basear para fazer uma reconstrução fidedigna da caravela portuguesa.
[00:09:46]
E vai haver sempre de boato até nós conseguirmos encontrar uma caravela intacta através de processos arqueológicos.
[00:09:54] Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática
Francisco Alves, que é diretor do Centro de Nacional Arqueologia Náutica e Subaquática e a sua mais recente descoberta pode ser um contributo decisivo para o estudo das caravelas portuguesas do século XV. Será que o tão desejado vestígio arqueológico, afinal, já foi encontrado?
[00:10:09]
O que temos aqui perante nós são as próprias peças do navio Ria de Avelro conhecido como Ria de Avelro A.
[00:10:18]
A escavação do vestígio permitiu tirar imediatamente uma primeira conclusão. A extremidade traseira do navio era em tudo semelhante ao descrito no Livro I de Arquitetura Naval de Batista Lavanha, escrito em 1608. Então, será que afinal essa caravela é de princípios do século XVII? Só há uma forma de o saber: proceder à análise por rádio carbono. Depois de quatro detecções, não há margem para dúvidas, a caravela escavada na Ria de Avelro é de cerca de 1450. Foi encontrado o mais antigo vestígio à escala internacional de uma caravela dos descobrimentos. Curiosas são as semelhanças entre o navio e as páginas do tratado escrito 150 anos depois.
[00:11:00]
Parece ir-se à própria página do Lavanha o costo de Ria de Avelro A.
[00:11:04]
Mas há outras coincidências entre o tratado escrito em 1608 e o vestígio encontrado em Avelro. A forma de encaixe extremamente sólido das peças da quilha e do casco, e o tipo de pregadora mista com pregos de ferro e cavilhas de madeira são iguais à descrição feita por Lavanha 150 anos mais tarde. E são marcas inconfundíveis do tipo de construção feito na Península Ibérica.
[00:11:24]
Este tipo de características, mais esta assinatura arquitetural faz com que quando nós encontramos – nós arqueólogos – encontramos restos de navios por mais ínfimos que sejam.
[00:11:37]
Com esta característica específica, nós estamos de certeza sobre um navio português ou espanhol.
[00:11:44]
No caso de Ria de Avelro, apenas 50% do casco foi recuperado. Mas qual seria então, a principal característica da caravela? Acima de tudo o que distingue a caravela das restantes embarcações era o fato de ter vergas oblíquas com velas triangulares, também conhecidas por pano latino. E isto dava à caravela uma vantagem que outros navios não tinham.
[00:12:04]
Qual a vantagem da caravela? A caravela contrariamente ao que era a navegação europeia podia navegar quase contra o vento. Isto é (bulinada) [00:12:14] como se desde África ao costa do (Sará) [00:12:18] até a Zona Verde, que era a navegação mais crítica dessa altura e foi o que demorou mais tempo a ultrapassar esse problema. Os ventos e as correntes iam quase sempre no mesmo sentido, portanto relativamente simples ir para o sul, era muito complicado voltar, porque se vinha contra o vento.
[00:12:36]
De facto foi um navio revolucionário para conseguir explorar o Atlântico.
[00:12:41]
A caravela era uma embarcação ágil e conseguia velocidades notáveis contra o vento.
[00:12:48]
É o antepassado dos barcos de corrida ou é um barco de regata de há 600 anos.
[00:12:53]
Bem, esta caravela chegou a atingir 9 nós, e no passado há registros de as caravelas de atingirem 6-7-8 nós.
[00:13:03]
Dos navios de grandes dimensões, estavam entre os mais rápidos dos séculos XV e XVI.
[00:13:09]
As caravelas como esta, há 600 anos, era o equivalente aos barcos da Taça América.
[00:13:15]
Não, não. Isso está errado. Não são navios de competição de forma alguma. Os navios de competição foram feitos a pensar apenas na velocidade. As caravelas foram feitas para resolver diferentes tipos de problemas.
[00:13:29]
O que fazia da caravela uma embarcação tão boa é que podia navegar em águas pouco profundas. Era um navio muito versátil e manobrável.
[00:13:41]
Podiam ir mais longe, levavam mais carga e podiam navegar em sítios onde os outros navios não podiam.
[00:13:58] O desafio além do que nossos olhos veem?
O que será que está para além do que os nossos olhos veem? O perigo espreita a cada canto. Há o medo, mas também o espanto e a admiração pelo desconhecido: a descoberta de novas raças e de novas culturas.
[00:14:22] As origens da caravela
Mas quais são, afinal, as origens da caravela? Há quem defenda que ela resulta de evolução de embarcações árabes, e há quem acredite que ela derive do caíque, uma embarcação tradicional do Algarve. Será que a caravela é uma invenção portuguesa?
[00:14:35]
Possivelmente que caravela é um tipo de navio parecido com o que já era conhecido no Mediterrâneo, embora adaptado pelos portugueses para uma função específica que era nova.
[00:14:45]
Uma das qualidades dos portugueses eram serem muito bons a fazer versões híbridas de tecnologias já existentes na Europa. Levaram dos países do norte da Europa, navios muito pesados, construídos para o Mar do Norte; e juntaram as velas latinas usadas no Mediterrâneo. Ao combinar estas duas tecnologias muito especializadas, os portugueses criaram algo completamente novo.
[00:15:14]
O método português de construção do casco confirmou-se na caravela encontrada na Ria de Avelro. Por coincidência a última peça recuperada é fundamental para perceber como eram construídas estas embarcações.
[00:15:25]
E a caverna-mestra é a base da filosofia construtiva da tradição íbero-atlântica herdada do Mediterrâneo.
[00:15:37]
Os portugueses deram o primeiro passo para um novo tipo de construção de navios. Desenvolveram formas de unir toda a nova estrutura com um novo esquema de velas antes de qualquer outro europeu. Por volta de 1400, já tinham essa habilidade.
[00:15:58]
No decorrer do século XV, os portugueses, primeiro sob o comando do Infante Dom Henrique, e mais tarde especialmente sob o comando de Dom João II conseguiram começar a dominar o Atlântico Sul, que era uma área totalmente desconhecida para os navegadores antes desse período.
[00:16:19]
1415 marca o início da expansão de Portugal. De Lisboa partem 200 navios conquistando a cidade de Ceuta no norte da África. O Infante Dom Henrique surge como figura chave, é a primeira iniciativa no seu desejo de converter muçulmanos à religião católica e de conquistar terras além de Portugal. Em uma época em que a tese de Ptolomeu fazia crer que o Oceano Atlântico encerrava em África e o Índico era um mar fechado, em que todos achavam que o Atlântico estava cheio de monstros, e alguns acreditavam que as embarcações caíam no abismo porque o mundo acabava ali, os portugueses lançavam-se à conquista desse oceano desconhecido e temido, iniciando a grande epopeia dos descobrimentos.
[00:16:57]
Eu, pessoalmente considero que o Infante Dom Henrique é talvez a figura decisiva em todo o processo dos descobrimentos portugueses porque a verdade é esta, o mais difícil é começar, e mais difícil é que alguém comece. E esse alguém que começou todo o processo que transformou a história da humanidade, que começou verdadeiramente a Idade Moderna foi o Infante Dom Henrique. Isto por que? Porque antes do Infante Dom Henrique ninguém queria arriscar.
[00:17:25]
Foram necessárias 15 tentativas ordenadas pelo Infante Dom Henrique, para que os marinheiros portugueses conseguissem finalmente dobrar o Cabo Bojador. Aconteceu em 1434, a bordo de uma pequena barca comandada por Julianos. Vencidos os medos e as tempestades estava aberto o caminho para o Atlântico Sul. Os portugueses tinham provado que era possível navegar no Atlântico. Mas as características dos ventos e das correntes obrigavam doravante à utilização de uma embarcação mais versátil, a caravela. Foi com esta embarcação que os portugueses prosseguiram a exploração da costa ocidental de África. A sua presença ao longo da costa foi sendo assinalada pela colocação de padrões que ainda hoje são visíveis em alguns pontos do continente africano.
[00:18:21]
Os portugueses desceram aos poucos pela costa a cada ano que passava, descobrindo algo próximo de 300 quilômetros por ano, variava de ano para ano. Mas a ideia era expandir o conhecimento aos poucos e eventualmente encontrarem o caminho para a Ásia, que era obviamente o objetivo principal.
[00:18:40]
Será o Atlântico um mar fechado, como defende Ptolomeu? Ou uma porta para o Oriente? Como acreditou o rei português Dom João II? Se a África continuasse para o sul, o navegador Bartolomeu Dias não tardaria a encontrá-la mas a única coisa que os marinheiros veem é água sem fim. Após dias de tempestades nunca vistas em outros mares, Bartolomeu Dias decide rumar para norte. Os marinheiros portugueses tinham finalmente dobrado o Cabo da Boa Esperança a bordo de uma caravela. Aquilo que nenhuma outra embarcação tinha conseguida antes, tinha sido alcançada pela caravela portuguesa, dobrar o Cabo das Tormentas.
[00:19:16]
Existiam dosi caminhos marítimos completamente separados durante milhares de anos que, de repente, se juntaram. Essa proeza foi inteiramente portuguesa, disso não há dúvidas.
[00:19:30]
Depois do regresso a Lisboa, em finais de 1488, os navegadores deram conta ao rei da impossibilidade de prosseguir viagem para lá do Cabo da Boa Esperança, por não terem navios suficientemente fortes para enfrentar os mares tenebrosos que ali existiam. A caravela de descobrir tinha concluído a sua missão.
[00:19:49]
Dez anos mais tarde, Vasco da Gama completaria a mais extensa viagem marítima até então, realizada na história da humanidade. Vasco da Gama chegava à Índia a bordo de um outro tipo de navio, a nau.
[00:20:02]
Ou seja, são precisos navios que reúnam certo número de condições que consigam navegar no mar durante muito tempo, e com uma capacidade de resistência às dificuldades da navegação propriamente ditas, e que depois tenha uma grande capacidade de carga. E é neste quadro que aparece a nau.
[00:20:18]
A nau era o navio do futuro. Assim que apareceu na Ibéria – provavelmente em Portugal por volta de 1400 – foi constantemente melhorada, e passou a ser o navio mais usado na Europa nos séculos XVI, XVII e XVIII.
[00:20:37] Como eram as naus?
Mas como eram de facto as naus que impressionaram europeus e orientais? É na resposta a esta pergunta que Thiago Santos e Nuno Fonseca trabalham diariamente no Instituo Superior Técnico de Lisboa.
[00:20:47]
O objetivo deste projeto é fazer uma reconstituição, ou seja, um levantamento das características geométricas e náuticas de uma nau da Índia. Aqui estão uma reconstituição vai ser virtual para já.
[00:21:00]
E este trabalho de investigação sobre as características e o desempenho de uma nau da carreira da Índia, está a ser feito em parceria com o Instituto de Arqueologia Náutica da Universidade do Texas, e baseiam-se nos resultados da escavação arqueológica da nau Nossa Senhora dos Mártires encontrada no Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática, à entrada de Lisboa, em 1997.
[00:21:22]
Foi encontrada a Nossa Senhora dos Mártires do ponto de vista arqueológico é um dos únicos e um dos mais importantes testemunhos e fontes de informação sobre certos aspectos dessas naus da Índia.
[00:21:35]
Graças à datação por radiocarbono, a documentação da época e a descoberta de um astrolábio deitado, foi possível confirmar que se trata da nau Nossa Senhora dos Mártires, que terá naufragado de forma trágica à entrada do Rio Tejo em 1606, cerca de 150 anos depois da caravela de Ria de Avelro.
[00:21:54]
Com a pressão do fundo do rio que foi encontrada, pode ser, utilizando por exemplo o livro trás à carpintaria e sobretudo o livro do Padre Fernando de Oliveira, começar a reconstruir as formas do casco do navio.
[00:22:11]
Ninguém tinha falado ainda sobre o sistema de calafetagem, e um dia, no Indico, há dois grandes arqueólogos que vão estudar os restos de uma presumível nau portuguesa, nem sei se é ela, e não precisava em nada, porque aquilo está cheio de ripas de chumbo, e plaquinhas, e não sei quantas, etc. Ora, fomos encontrar exatamente na Nossa Senhora de Mártires, o primeiro testemunho de utilização de cordão de chumbo enrolado para calafetar cada tábua que encrustava, grossíssima, aquelas tábuas.
[00:22:50]
Sabe-se hoje que o método de calafetagem utilizada nas embarcações portuguesas provém de um sistema milenar de calafetagem de cisternas.
[00:22:57]
O sistema de calafetagem de cisternas de fortificações e cidades antigas faziam que os blocos de pedra, que se eram colocadas uns sobre os outros, a água passava toda pelos interstícios de entre os blocos. Então, como se evitava? Calafetagem por rolo de chumbo intercalado entre cada pedra e entre cada encosto.
[00:23:23]
A nau aumentou bastante de dimensão entre os finais do século XV e o século XVII. Podemos perceber isso mesmo ao comparar as dimensões da nau da Vila do Conde, que corresponde a uma das primeiras naus da carreira da Índia e da nau Nossa Senhora dos Mártires, construída no início do século XVII. Enquanto a de Vila do Conde tem 120 toneis, que era a medida dosada na época, a nau Nossa Senhora dos Mártires teria 600 toneis, ou seja, a nau de Vila do Conde tem cerca de 27 metros de comprimento; a nau Nossa Senhora dos Mártires teria 47 metros. Mas esta não foi das maiores que se construíram em Portugal, pois houve naus que chegaram a atingir 60 metros de comprimento, ou seja, duas vezes a dimensão da nau de Vila do Conde.
[00:24:06]
Ao longo do século XVI, sobretudo a partir dos meados da segunda metade do século XVI, é visível que os navios portugueses vão se agigantando, enquanto os navios ingleses e holandeses não são tão grandes, coisa que lhes suscitou algum espanto quando os navios portugueses começaram a ser apresados porque eram demasiadamente grandes para aquilo que os ingleses estavam habituados a ver.
[00:24:28]
Quando a nau Madre de Deus foi capturada por corsários ingleses por volta do século XVI, foi poupada e levada para a Inglaterra, tal foi o espanto que causou.
[00:24:37]
Mas estas naus de facto eram os navios maiores que se faziam no mundo nesta altura.
[00:24:42]
Mas será que as naus são apenas navios maiores do que as caravelas? O que os distingue, afinal? A caravela tinha velas de pano latino, a nau tinha essencialmente velas de pano redondo. Enquanto a caravela é exímia a navegar contra o vento, será que o mesmo acontece com a nau? A análise feita pelo Instituto Superior Técnico de Lisboa demonstra que o navio perde potência à medida que o vento deixa de soprar pela parte traseira. Mas então, qual é a vantagem desse tipo de velas?
[00:25:10]
A vantagem evidentemente das velas redondas é que são velas que têm capacidade de gerar mais potência.
[00:25:15]
Enquanto a caravela tem apenas uma coberta, um pavimento e um castelo de popa, a nau pode ter três ou quatro cobertas e dois castelos, cada um com vários pavimentos.
[00:25:25]
Tem uma capacidade que os outros navios da eup não têm, é que o manual dos princípios do século XVI, a portuguesa vai à Índia e volta. Não haveria na Europa provavelmente navios que fizessem isso com a facilidade que faziam os navios portugueses.
[00:25:38]
Os portugueses chegam ao Oriente em 1498, os holandeses e os ingleses só chegam cerca de 100 anos depois.
[00:25:47]
Quando os portugueses chegaram à Índia no final do século XV, era a primeira vez que uma potência europeia chegava à Ásia.
[00:26:00]
Entre os europeus, os portugueses foram os primeiros a chegar ao pequeno porto de Malaca, a fazer comércio e a conquistá-lo.
[00:26:10]
Esta foi a primeira vez que os europeus pisaram o solo japonês. Pode-se assim dizer que os portugueses foram o primeiro contacto que o Japão teve com o Ocidente.
[00:26:21]
Em 1500 Pedro Álvares Cabral sai com uma armada de três navios com destino à Índia, descobre o Brasil e prossegue viagem para o Oriente, tornando-se no primeiro navegador do mundo a ligar quatro continentes: Europa, América, África e Ásia. E iniciava-se assim a carreira da Índia que os portugueses iriam explorar nos séculos XVI e XVII. O comércio que até aí era feito por via terrestre com muitos intermediários, passa a ser dominados pelos portugueses por via marítima.
[00:26:53]
Imagine por exemplo, em preços atuais, se um quilo pimenta custava 10 euros no sul da Índia, através da rota terrestre ela chegaria à Europa valendo 1.000 euros, suponhamos. Se os portugueses conseguem ir diretamente à fonte a buscar esse produto – e essa é a ideia básica – portanto vão ter lucros imensos de facto durante quase um século vão ter o monopólio do comércio com o mundo asiático.
[00:27:20]
Os portugueses dinamizaram a economia asiática, alargando as trocas e redes comerciais a uma maior escala, redimensionando o comércio asiático.
[00:27:33]
Os portugueses, quando foram para o Índico, tentaram sempre que possível, estabelecer acordos com os reis locais. Quando não foi possível estabelecer esses acordos comerciais, os portugueses tiveram que conquistar esses territórios aos muçulmanos.
[00:27:47]
Só entre Moçambique e o Oriente, os portugueses construíram mais de 50 fortalezas marítimas: Ormuz no Irã, Goa na Índia e Malaca na Malásia, foram pontos-chave que os estratega portuguesa Afonso de Albuquerque conquistou no início do século XVI.
[00:28:02]
Nessa época, Malaca era o porto mais movimentado da Malásia, incluindo Cingapura. Era o centro do comércio, portanto todos vinham angustiar a Malaca. Eu diria que o que Cingapura é hoje, Malaca era nessa época, a cidade mais importante.
[00:28:29]
Os portugueses eram guerreiros marítimos e sua intenção era conquistar muitas terras. Portanto não traziam as mulheres, desse modo muitos deles casaram com mulheres locais e os seus descendentes ficaram cá. É por isso que ainda hoje temos muitos descendentes dos portugueses.
[00:28:50]
Michael Banner Ghi, é um dos 15 mil descendentes de portugueses em Malaca. No século XVII Portugal perdeu o domínio da cidade a favor dos holandeses, mas isso não acabou as ligações culturais que existem ainda hoje.
[00:29:03]
As pessoas continuam a falar português, falam português crioulo que é o português parecido com o de há 500 anos, podem considerar-nos um museu vivo.
[00:29:15]
Será que a réplica que existe no Porto de Malaca tem alguma ligação às naus portuguesas de há 500 anos?
[00:29:22]
Ali podem ver uma réplica de um dos navios portugueses que veio com a frota de Afonso de Albuquerque. Esta réplica foi construída pelo Estado, em memória da frota que conquistou Malaca.
[00:29:36]
Uma das maiores naus que os portugueses terão construído foi precisamente a que fazia a rota comercial entre Goa, Malaca, China e Japão e que ficou conhecida como a Nau do Trato.
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É verdade que não houve nunca uma potência asiática capaz de atacar e conquistar um desses navios. Até o final do século XVII só perdemos quatro desses navios, e todos por causas meteorológicas.
[00:29:57]
No Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa, esta alguns dos mais belos exemplares de biombos namban. Através deles, é possível testemunhar o espanto que terão causado a nau Trato e os portugueses quando chegaram ao Japão em 1543. Essas são das mais emblemáticas obras de arte japonesas que traduzem o ponto de vista nipônico sobre a chegada de um povo até então, desconhecido.
[00:30:20]
A chegada dos portugueses ao Japão é um acontecimento revolucionário do ponto de vista da história nipônica.
[00:30:26]
Para os japoneses até a essa altura além do Japão, o mundo era apenas constituído pela Grande China e pela longínqua Índia, ou seja desconhecia-se completamente a existência de um continente chamado Europa.
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Havia até uma expressão para se referir ao mundo exterior era “sankoku”, quer dizer três países. Depois da chegada dos portugueses passaram para uma outra expressão que era diferente, embora parecida, que era “bankoku”, ou seja, 10 mil países.
[00:30:52]
Os governantes japoneses ficaram tão impressionados com as naus portuguesas, que todos quiseram adquirir essa tecnologia de construção naval.
[00:31:02]
A conjugação entre as fortalezas e os navios fazia com que um pequeno número de pessoas, que eram os portugueses, pudessem ter domínios estratégicos numa população vastíssima, num território vastíssimo, como é a Ásia.
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Nós muitas vezes esquecemos que a população do nosso país nessa altura era de pouco mais de 1 milhão de habitantes. E na outra parte da Península Ibérica, os espanhóis tinham cerca de 5 a 6 milhões de habitantes e que nas Índias britânicas haveria talvez 10 milhões de habitantes, e que na França haveriam 14 milhões.
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Todos os anos saía uma armada com destino à Índia, muitas vezes com mais de uma dezena de navios. Isso significava a partida de 2 mil ou 3 mil pessoas de uma só vez.
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Num desses grandes navios, numa dessas grandes naus, às vezes perdia uma vila ou uma aldeia portuguesa só pela quantidade de pessoas que morria numa dessas embarcações.
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Houve momentos em que terá sido muito difícil completar a tripulação dos navios, do que chegaram a ir às prisões buscar marinheiros para encher as naus da Índia. Há quem diga que foi o que acontece com a armada de Afonso de Albuquerque. Uma viagem de ida e volta à Índia demorava aproximadamente um ano, o que muitas vezes dificultava a vida à bordo. O jogo acabou mesmo por ser proibido, pois era muitas vezes motivo de confronto.
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Crimes que existissem a bordo eram severamente punidos pelo comandante. Em casos extremos de crimes de alguma gravidade, podiam enforcar os prevaricadores nas galerias do navio.
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Pode-se dizer que uma nau da carreira da Índia era uma amostra de uma cidade, pois podia transportar até 800 pessoas de todos calões sociais, uma procissão, um teatro, ou mesmo uma simulação de tourada, tudo podia acontecer dentro de uma nau a caminho do Oriente. Segundo a investigação de Thiago Santos, a área total disponível do navio é de 913 metros quadrados, o que quer dizer que cada pessoa dispunha de menos de 2 metros quadrados durante 6 meses. E isto apenas na viagem para a Índia, pois na viagem de regresso parte deste espaço seria ocupado com a carga. A maioria dos marinheiros e passageiros da classe baixa dormiam a maior parte das vezes no convés, ou junto com a carga. Sem casas de banho e com animais vivos a bordo, as condições de higiene eram muito precárias. O biscoito era a base da alimentação e a água, que acabava por se deteriorar, era muitas vezes fonte de doenças. A falta de alimentos frescos conduziu ao aparecimento de uma doença até então desconhecida, o escorbuto.
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Como se pode escapar da morte que espera em tantos portos e que tem tantos laços quantos palmos há de Portugal a esta Índia e, por tão averiguado, têm os pilotos ser sem remédio priva esta viagem, que todos têm por aforismo que as naus de Portugal para a Índia, e da Índia para Portugal, Deus as levem e Deus as traz.
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Sabe-se hoje que naufragaram mais de 330 naus da carreira da Índia, a maior parte no regresso à casa. Algumas naufragaram tragicamente à entrada de Lisboa, depois de um ano de viagem. Cada vez que se afundava uma nau, era como se afundasse uma fortaleza em cima de água, pois podia transportar qualquer coisa coisa como 140 canhoes.
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Muitas naus portuguesas eram muito difíceis de conquistar, eram quase inexpugnáveis, quanto a documentos que referem que um único navio português podia fazer frente a 30-40-50, às vezes 100 embarcações asiáticas, desde que tivesse artilharia a bordo.
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O domínio dos mares, que durante o século XVI é assegurado por três tipos de embarcações diferentes: a nau, que é um navio de carga, embora vá artilhado; o galeão, que é um navio com um perfil mais dirigido para a guerra naval, mas tem uautilização bifuncional, guerra e comércio; e a caravela redonda, que é um navio de guerra fundamentalmente.
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A caravela redonda é uma inovação portuguesa que mistura os dois tipos de velas, redondas e latinas, e que tem por missão produzir as armadas da carreira da Índia, sobretudo quando começam a aumentar os ataques marítimos das outras potencias europeias. No século XVI, o desenvolvimento da artilharia portuguesa acompanhava a evolução dos navios e era considerada a melhor do mundo. Numa época em que a artilharia era toda de carregar pela boca, os portugueses começaram a utilizar nas embarcações artilha de carregar pela culatra. Qual era a vantagem? Tinha uma velocidade de tiro seis vezes mais rápida.
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É com este sistema que isto passou a ser uma inovação e um avanço tecnológico, podemos dizer, com 300 anos, porque se pensarmos que em 1815, portanto já no século XIX, durante a Batalha de Waterloo toda a artilharia era carregada pela boca, é notável que no século XVI se tenha concebido um sistema desses.
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Ainda hoje na escola primária, todos os japoneses ouvem falar dos portugueses, por isto mesmo, porue foram os portugueses com a sua chegada que trouxeram instrumentos tão importantes como a espingarda, e que se querem ter uma pequena condição muito clara, é bom não esquecer que a pólvora foi inventada na China. Mas a chegada de uma arma que te para com o uso da pólvora é feita com os portugueses que deram a volta ao mundo para chegar ao Japão.
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A chegada das armas de fogo alteraria radicalmente a configuração política do meu país e contribuiria decisivamente para a unificação do mesmo.
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A chegada dos portugueses ao Japão representa, indiscutivelmente, o segundo salto tecnológico que o Japão deu, desde o início da sua história.
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Os portugueses de então, possuíam um nível tecnológico muito avançado, principalmente no que diz respeito à tecnologia náutica e à cartografia.
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O primeiro mapa mundo rigoroso que existe, que é feito com base nesse levantamento que está feito essencialmente por portugueses é o chamado Mapa de Cantino – de 1502 – que na aparência é um mapa moderno. Esse mapa de Cantino só o connecemos hoje em dia por uma razão, é que é um mapa de um espião.
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O porto de Lisboa era frequentemente visitado por espiões enfim da vizinha Catela, por espiões vindos da Itália, que é o caso desse Álvaro Cantino que conseguiu ter acesso ao mapa padrão português.
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Portanto Cantino não era o nome do autor do mapa, mas sim, do espião que trabalhava ao serviço de um duque italiano. Nos séculos XV e XVI, os cartógrafos portugueses eram dos mais cobiçados da Europa, fruto dos conhecimentos que iam adquirindo sobre as novas terras e do rigor que aplicavam nas cartas.
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Um outro progresso muito importante da ciência, talvez mais importante ainda do que a cartografia, foi a orientação, isto é, saber-se onde é que estava.
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Os marinheiros holandeses e ingleses não tinham os navios nem os sistemas de nagevação que os portugueses tinham. Por exemplo, não conseguiam medir a latitude e os portugueses já o faziam em meados do século XV.
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E para isso começaram a usar instrumentos de navegação que foram adaptações para o mar daquilo que já se usava em terra para funções geodésicas, e o primeiro instrumento foi um quadrante.
[00:38:20] Quadrante, astrolábio náutico
Quadrante, astrolábio náutico, (ibalstia) [00:38:25], instrumentos que os portugueses adaptaram da terra para o mar. A partir da posição da estrela polar ou do sol, podiam navegar longe da costa sem se perderem.
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A navegação que Vasco da Gama faz no Atlântico Sul é, de facto, uma das navegações mais extraordinárias que alguma vez na história se fez, com dito foi com certeza a primeira vez que alguém fez uma navegação que não fosse simplesmente à direita por durante três meses sem ver costa e sem suprimento. Daí implicou com certeza um grande esforço científico anterior e sobretudo muita coragem do rapaz de 27 anos, que era a idade que Vasco da Gama tinha.
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Já sabemos que a nau apenas atingia a performance desejada se tivesse vento pela popa, isto é, pela parte de trás. Ora, para que isso acontecesse, era necessário escolher a melhor rota para chegar à Índia. Por isso as naus deveriam sair de Lisboa em março, para que as condições fossem as mais favoráveis. O navio devia seguir junto à costa ocidental de africana até o Sul de Cabo Verde.
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Nesta zona os ventos predominantes são aqui ventos de nordeste e, portanto, o navio fazia este percurso com o vento pela popa e pela alheta, portanto ventos favoráveis.
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Junto ao Equador existe uma zona de calmarias. Por isso os navegadores portugueses tinham de fazer uma alteração de rumo. A solução era atravessar o Atlântico em direção ao Brasil.
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E faziam isto com o objetivo de começar aqui a apanhar os alísios de sudoeste, aproximadamente de lado, ou seja, de través. Quanto mais a sul conseguissem chegar, mais segura era a viagem.
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Acontecia por vezes que os navios subiam demasiado, ou chegavam ao Brasil tarde demais. E nesses casos os ventos alísios passavam a ser desfavoráveis.
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E quando isso acontecia, os navios eram empurrados junto à costa do Brasil a norte e uma vez ficavam ali para que o inverno passasse, outras vezes acontecia de eles voltarem para Lisboa.
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A travessia do Atlântico era a parte mais complicada da viagem e aquela que exigia mais perícia dos navegadores portugueses.
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O problema é que eventualmente podia acontecer aqui é passar o Cabo da Boa Esperança, era apanhar tempestades violentas.
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Se a estimativa da latitude não fosse bem feita e se os navegadores estivessem demasiado para o sul seriam apanhados por ventos e tempestades cada vez mais fortes. Idealmente os navios deviam passar o Cabo da Boa Esperança em junho para poderem apanhar os ventos favoráveis da Monção, que os conduziria até a Índia. O regresso ideal seria por folta de dezembro-janeiro, pois é época do ano em que regime de ventos é contrário ao da monção, empurrando os navios para o sul.
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E finalmente, para chegar a Lisboa, o navio teria que fazer uma volta pelo Atlântico até junhto dos Açores, para junto aos Açores mais uma vez apanhar vento favorável.
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Pois se os navios tentassem fazer a viagem de regresso junto à costa ocidental de África, o navio apanharia vento pela frente e não conseguiria finalizar a viagem.
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Os pilotos, muitos deles não sabiam ler e alguns sabiam contar mal. O que eles tinham que saber fundamentalmente é saber somar e subtrair, porque a sua cultura era muito pequena. Mas a sua experiência era impressionante.
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Perdemos a capacidade para navegar um navio usando apenas uma ampulheta, guiando-nos pela posição do sol e das estrelas. Perdemos a capacidade de ler o mar tal como esses navegadores faziam.
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Se agora for à fragata Álvares Cabral ou a Vasco da Gama, o que vê é os oficiais e os sargentos e os praças dentro de um compartimento com ar-condicionado ou aquecido e praticamente não tem contato com o vento.
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Todo o ar, nós respiramos dentro do navio, é filtrado e é monitorizado de forma a garantir uma qualidade amil muito elevada.
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E por que? Porque também não precisa estar cá fora porque tem o GPS, tem esses instrumentos todos que nos permitem perceber a pressão instantaneamente, não é?
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Nós, a bordo deste navio, temos cinco radares. Para além desses radares temos guerra eletrônica, temos equipamentos que escutam os sons debaixo d’água.
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E o modo de comunicar correspondia a sinais luminosos ou a sinais auscutórios. Sinais luminosos feitos com lanternas e também sinais acústicos, que eram feitos com peças de artilharia.
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Ainda tenho embarcado dois helicópteros, que funcionam como braços armados e braços de sensores, que me estendem a minha capacidade para além dos 400 quilômetros a partir do navio.
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Naquela altura vinha bateis, vinham pequenas embarcações a bordo dos navios, que faziam às vezes do helicóptero.
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Assim como a fragata Vasco da Gama é o local com mais tecnologia por metro quadrado em Portugal, também as caravelas e naus eram o mais avançado tecnologicamente nos séculos Xv e XVI. Mas enquanto numa fragata do século XXI, duas turbinas de avião fazem mover o navio, numa embarcação dos séculos xv e XVI era a força dos braços que fazia mover o leme e que erguia velas com duas ou mesmo quaro toneladas de peso. Enquanto uma nau demorava seis meses a chegar à Índia.
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Este navio, para chegar à Índia partindo de Lisboa, escutando uma navegação parecida com a de Vasco da Gama, demoraria entre 20 a 25 dias a chegar a Calcutá.
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As frágeis caravelas que passaram o mítico e temido Cabo das Tormentas, e as naus que abriram caminho até o outro lado do mundo, era o que de mais avançado se fez no seu tempo para cumprir a grande aventura dos oceanos. O que descobriram estava aparelhado à imaginação.
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Começamos a ter um conhecimento direto de novos povos, novas ideias, novas culturas, novos animais, novas religiões, podemos observar e comparar com as provas antigas e viram onde estavam erradas. Portanto existe uma parte importante do Renascimento para o qual as viagens portuguesas contribuíram muito.
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A partir da revisão da Terra permitiu um século depois a Galileo rever o sistema solar, capacitou na sua interpretação de ter o seu centro na Terra para uma visão heliocêntrica. Sem os descobrimentos portugueses e esses trabalhos de Copérnico e de Kepler, e de Galileu, também não seriam possíveis.
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A partir das informações transportadas pelas embarcações portuguesas, artistas europeus passaram a introduzir novos elementos na sua arte.
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Por exemplo o próprio Bosch apresenta já nas sua se pinturas muitas delas eivadas de um sentimento muitíssimo forte e perturbante de religiosidade mística, apresenta muitas vezes animais exóticos que o mundo todo não poderia conhecer na Europa onde a fauna era dominada pelos pintores, mas que obtinha conhecimento através dos desenhos ou das descrições dos barcos que chegavam nomeadamente em primeiro lugar a Lisboa.
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Ao mesmo tempo que as caravelas e naus avançavam na descodificação do novo mundo, a botânica, a zoologia, a linguística, a geografia, a cartografia, a astronomia e a arte foram considerávelmente enriquecidos.
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A verdade é que se nós quisermos ser relativamente rigorosos, nós podemos dizer que globalização não é um fenômeno recente, que tenha tido início nas últimas décadas do século XX. A globalização é um fenômeno que arranca no século XV e que arranca exatamente graças ao impulso dos portugueses.
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Aliás seriam os portugueses que dariam conhecimento ao mundo do próprio mundo.
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Isso é o começo de uma nova fase da civilização na história da humanidade.
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O Homo sapiens existe na Terra há 100 mil anos. A nossa capacidade de navegar pelo mundo é só uma pequena fração disso, apenas 500 anos. Portanto, as nossas mudanças foran notavelmente rápidas, se tivermos em consideração a dimensão da história da humanidade.
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Se a Terra existisse há 24 horas, o homem teria chegado há menos de 2 segundos e teria descoberto o planeta em que habita há apenas 7 milésimos de segundo. Para isso muito contribuíram as caravelas e as naus portuguesas.