Pronunciamento de Sérgio Fernando Moro em 24/04/2020
Pronunciamento de Sérgio Fernando Moro em 24/04/2020
A esta transcrição de áudio foram adicionados em negrito pontos de referência que permitem analisar melhor o pronunciamento do ex-Ministro da Justiça e Segurança Pública, marcando tempo a cada ponto de apoio para facilitar a localização do trecho desejado.
Se esta transcrição fosse para roteiro de filme, documentário, por exemplo, a cada frase haveria uma marcação de tempo.
→ Leia também o Pronunciamento de Jair Bolsonaro em 24/04/2020
Cortei alguns trechos referentes a hesitações e houve ininteligências devido a falhas no áudio. Segue vídeo de onde extraí o som usando o WavePad que é um software de edição da NCH, enquanto o vídeo tocava pela primeira vez em meu notebook. Foi feito um tratamento sonoro. Segue transcrição com pontos de apoio colocadas pelo revisor.
Bom dia a todos. Quero cumprimentar aqui não só os jornalistas, o pessoal da imprensa, mas especialmente aqui o pessoal do Ministério da Justiça e Segurança Pública aqui presente. Muitos também gostariam de estar aqui presentes, mas nós buscamos ao máximo evitar aí aglomerações, não conseguimos totalmente. Mas… enfim.
Primeiro eu queria lamentar a realização dessa… Eu pediria silêncio daí, para que pudesse falar sem intervenção.
Eu queria lamentar aqui esse evento na data de hoje, nós estamos passando por uma pandemia do COVID-19, ontem uma informação lamentável aí de 407 óbitos, 3313 óbitos no total.
Então, durante essa pandemia, infelizmente, tendo que realizar esse evento, busquei ao máximo evitar que isso acontecesse, mas foi inevitável. Então, peço a compreensão de todos pela circunstância adversa, mas não foi por minha opção.
Antes de entrar no assunto específico, eu queria fazer só algumas reflexões gerais para poder justificar as minhas decisões.
Reflexões gerais [00:01:48]
Antes de assumir o cargo de ministro da justiça e segurança pública, eu fui juiz, juiz federal por 22 anos, tive diversos casos criminais relevantes.
E desde 2014, em particular, nós tivemos a Operação Lava Jato, que mudou o patamar de combate à corrupção no país. É claro que existe muito ainda a ser feito, mas aquela grande corrupção, que em geral era impune, esse cenário foi modificado.
Isso foi um trabalho do Judiciário, do Ministério Público e de outros órgãos, e na parte da investigação, principalmente aí da Polícia Federal.
Desde 2014, na Lava Jato, eu sempre tinha uma preocupação constante de uma interferência do Executivo nos trabalhos da investigação. E isso poderia ser feito de diversas formas, troca de diretor-geral sem que houvesse causa, troca de superintendente.
Tivemos no início da Lava Jato o Superintendente Rosalvo Ferreira, convidei aqui para o Ministério, fazendo um grande trabalho. Depois foi sucedido pelo Superintendente Valeixo, também na diretoria-geral da Polícia Federal fazendo também esse grande trabalho. Houve essa substituição, essa substituição na época foi pela aposentadoria do Doutor Rosalvo.
E enfim, foi garantida a autonomia da Polícia Federal durante esses trabalhos da área de investigação.
A autonomia da Polícia Federal [00:03:46]
É certo que o governo da época tinha inúmeros defeitos, aqueles crimes gigantescos de corrupção que aconteceram naquela época, mas foi fundamental a manutenção da autonomia da PF, para que fosse possível realizar esse trabalho, seja de bom grado, ou seja pela pressão da sociedade, essa autonomia foi mantida e isso permitiu que os resultados fossem alcançados.
Isso até é o ilustrativo da importância de garantir o Estado de Direito, o (inint) [00:04:26] of Law, a autonomia das isntituições de controle e de investigação.
Lembrando aqui até um episódio que num domingo qualquer, durante aquelas investigações, lembro que foi até o Superintendente Maurício Valeixo que recebeu uma ordem de soltura ilegal do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, então, condenado por corrupção, preso, essa ordem emitida por um juiz incompetente. Depois isso foi reconhecido nas demais instâncias, foi graças à autonomia dele e ao sentimento da necessidade de cumprimento do dever que ele comunicou às autoridades judiciarias e foi possível rever essa ordem de prisão ilegal antes que ela fosse executada.
Para demonstrar o empenho dessas autoridades e a importância da autonomia das organização de controle.
O convite de Bolsonaro [00:05:37] Final de 2018, essa é uma história um pouco repetida, eu recebi convite do então, eleito Presidente da República Jair Bolsonaro.
E isso eu já falei publicamente diversas vezes, é fácil repetir essa história porque essa história é absolutamente verdadeira.
E fui convidado a ser Ministro da Justiça e da Segurança Pública. O que foi conversado com o presidente, no dia 1º de novembro, é que nós teríamos um compromisso de combate à corrupção, crime organizado e a criminalidade violenta.
Carta branca [00:06:22]
Inclusive foi-me prometido na ocasião carta branca para nomear todos os assessores, inclusive desses órgãos policiais como a Polícia Rodoviária Federal e a própria Polícia Federal.
Na ocasião, até aproveitando aqui um breve parênteses para desmistificar um dado, foi divulgado equivocadamente por algumas pessoas que eu teria estabelecido como condição para assumir o Ministério da Justiça uma nomeação ao Supremo Tribunal Federal. Nunca houve essa condição, até porque seria algo de aceitar um cargo de Ministro da Justiça pensando em um outro, isso não é da minha natureza.
Eu realmente assumi esse cargo, fui criticado, eu entendo essas críticas, mas a ideia era realmente buscar num nível de formulador de políticas públicas aqui, numa alta posição do Executivo, de aprofundar o combate à corrupção e levar maior efetividade em relação também à criminalidade violenta e crime organizado.
O medo de Moro [00:07:46]
Tem uma única condição que eu coloquei, não ia revelar, mas agora isso eu acho que não faz mais sentido manter o segredo, isso pode ser confirmado tanto pelo Presidente como o General Heleno, eu disse que como eu estava abandonando 22 anos da magistratura, contribuí 22 anos para a Previdência, e perdia saindo da magistratura essa previdência, pedi apenas, já que nós iríamos ser firmes contra a criminalidade, especialmente a criminalidade organizada que é muito poderosa, que se algo me acontecesse, pedi que a minha família não ficasse desamparada sem uma pensão. Mas foi a única condição que eu coloquei para assumir essa posição específica no Ministériio da Justiça.
Permito-me aqui dizer que o presidente concordou com todas… com esse compromisso, nem foi uma condição o combate à corrupção, à criminalidade violenta, criminalidade organizada. Falou até publicamente que me daria uma carta branca.
Expertise anterior como juiz [00:09:03]
Eu já tinha uma expertise por trabalhar com polícia, como juiz evidentemente em relação à criminalidade organizada e aceitei (inint) [00:09:14] realmente fazer com que as coisas evoluíssem.
E minha avaliação na época era que essa aceitação ao convite foi muito bem acolhida pela Sociedade.
Também me via, estando no governo, como também um garantidor. Claro que existem outras instituições importantes, o Judiciário, o Supremo Tribunal Federal, o Ministério Público, mas entendi que pelo meu passado de juiz e meu compromisso com o Estado de Direito, que eu também poderia ser aí um garantidor da lei e da imparcialidade e autonomia dessas instituições.
A palavra mote: integração e realizações na Polícia Federal [00:10:09]
Dentro do Ministério, eu permito aqui algumas reflexões, a palavra mote tem sido a integração. Nós atuamos muito próximo das forças de segurança estaduais, até mesmo municipais. Nós realmente trabalhamos duro contra a criminalidade organizada, ouso aqui dizer – claro que tudo isso sujeito a críticas e segundas opiniões – mas que não houve um combate tão efetivo à criminalidade organizada como houve durante essa gestão do Ministériio da Justiça e Segurança Pública, trabalhando contra mas com os governos estaduais.
Tivemos o caso, por exemplo, da transferência e isolamento das lideranças do PCC. Tivemos recentemente a prisão da maior autoridade do PCC em liberdade, 20 anos foragido no exterior, graças a um trabalho de investigação eficiente da Polícia Federal.
Tivemos recordes de apreensão de drogas no combate ao crime organizado, isso é importante, tirar a droga das ruas: cocaína e maconha. Isso feito pela Polícia Federal, isso feito pela Polícia Rodoviária Federal, também um belíssimo trabalho aqui desenvolvido. Pela Força Nacional nos locais em que ela atuou.
Tivemos aí recorde de destruição de plantações de maconha no Paraguai, que é o nosso principal fornecedor. Números expressivos de apreensão de produto do crime, seja de droga, seja de corrupção, principalmente aí no caso pela Polícia Federal.
Buscamos fortalecer a Polícia Federal e a Polícia Rodoviávia Federal nesse período, com ampliação dos concursos existentes.
Empregamos maciçamente a Força Nacional em todo o Território Nacional. A Força Nacional é uma instituição que, a meu ver, deveria ser fortalecida. Nós estamos lá defendendo no Congresso Nacional uma emenda à Constituição, para tornar ela uma instituição prevista ali na Constituição, para que nós possamos ter, com o tempo também, um corpo próprio sem prejuízo dos mobilizados, sem prejuízo dos requisitados do Estado, que nós queremos fortalecê-la. E ela tem sido muito demandada e às vezes nós sentimos que nós não temos aí a perna suficiente.
E ela atendeu diversas emergências de segurança pública nesse período, lá no Ceará, por mais de uma vez, espalhadas aí em terras indívenas, enfim, o nosso projeto Em Frente Brasil.
Nós criamos o SEOPI, Secretaria de Operações Integradas até nessa linha de fortalecer a integração. A SEOPI desenvolveu um programa chamado Hórus e Vigia, que é talvez um dos primeiros programas efetivos para controle de fronteiras em nosso país, e trabalha em conjunto com as forças de segurança estaduais.
Investimos em inteligência com centros de fusão, saímos trabalhando também em outras áreas.
Várias outras áreas aqui do Ministério da Justiça também tiveram, a meu ver, um bom ganho de efetividade, área do consumidor, área de imigração, a SENAJUS, enfim, aqui é só um retrato que queria fazer algumas justificativas.
No momento o Ministério da Justiça está voltado principalmente ao enfrentamento da pandemia, isso prejudicou um pouco os planos em curso, embora eles continuassem.
Nós estamos cuidando principalmente de EPI, vacinação, de atenção às forças de segurança, de coordenação, de se preocupar com o Plano Nacional de Segurança.
Enquanto o COAF esteve no Ministério da Justiça, eu não pedi que o COAF viesse, mas foi propósito que ele fosse colocado na estrutura do Ministério da Justiça, nós nos fortalecemos. Depois ele acabou sendo transferido para outros órgãos, até onde teve a estrutura fortalecida se manteve, acho que isso é muito positivo. Também é um órgão de inteligência importantíssimo que nós devemos inclusive aumentar a sua estrutura e melhorar o seu funcionamento.
Tivemos aí o projeto de lei antricrime que foi a principal mudança legislativa durante o nosso período de gestão.
Várias alterações e facilitação também de venda de drogas, o (DEPEN) [00:14:54] fez também um trabalho fantástico aqui com o Ministério Público, também essa análise. Desculpe aqui um pouco cansativo todas essas reflexões.
O projeto da Lei Anticrime poderia ter avanços maiores, infelizmente não foi aprovada em toda sua totalidade, mas ainda assim em minha avaliação, ele representou um avanço.
Campanha Faça a Coisa Certa Sempre [00:15:13]
Eu lembro aqui num dos primeiros projetos que nós fizemos no Ministério da Justiça, logo no início, foi uma campanha motivacional para os servidores e o tema era Faça a Coisa Certa Sempre.
Então, esse sempre foi o mote, sempre foi a palavra, a frase de ordem do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, “faça a coisa certa, não importa as circunstâncias, arque com as consequências. Isso faz parte”.
Acho que com tudo isso nós conseguimos resultados expressivos, alguns deles eu já mencionei como as questões de combate ao crime organizado.
Mas nós tivemos aqui, permito-me dizer, uma redução expressiva da criminalidade em 2019. Tudo bem, já tinha uma queda em 2018, mas em 2019 nós tivemos uma queda em percentuais sem precedentes históricos, menos 19% de assassinatos.
Outros crimes também caíram percentualmente de maneira até mais significativa, mas assim de 10 mil brasileiros deixaram de ser assassinados.
Claro, é resultado compartilhado com os Estados, com os municípios, onde tem combate à violência, ninguém tem dúvida disso, ninguém quer invocar esse mérito específico de maneira exclusiva, até porque a proposta do Ministério da Justiça sempre foi integração. Aí, importa é o resultado, não quem leva a medalha no final. Mas é muito significativo, isso me deixa muito feliz, que nesse primeiro ano nós tivemos resultados ‘assim’, tão positivos para a queda de violência, que era uma grande aspiração da população brasileira.
Claro que temos ainda que melhorar muito esse cenário, mas enfim, isso é um trabalho que é permanente e duradouro.
A relação com o Presidente Jair Bolsonaro [00:17:11]
Bem, em todo esse período, tive apoio do Presidente Jair Bolsonaro em vários desses projetos, outros nem tanto.
Mas, a partir do 2º semestre do ano passado passou a haver uma insistência do presidente da troca do comando da Polícia Federal.
Isso inclusive foi declarado publicamente pelo próprio presidente, houve um primeiro desejo de trocar um superintendente da Polícia Federal do Rio de Janeiro, sinceramente não havia nenhum motivo para essa substituição, mas conversando com o superintendente em questão, ele queria sair do cargo por questões exclusivamente pessoais.
Então, nesse cenário, acabamos concordando, eu e o diretor-geral, em promover essa troca com uma substituição técnica, foi uma substituição de um indicado pela polícia.
Agora vou fazer uma referência bastante rápida. Eu não indico superintendentes da Polícia Federal. A única pessoa que eu indiquei na Polícia Federal foi o diretor, o Maurício Valeixo. Não é meu papel fazer indicações aí de superintendentes.
E assim tem sido no Ministério como um todo, eu sempre tenho solicitado, dado autonomia ao pessoal que trabalha comigo – a palavra certa não é subordinado, é equipe – para que eles façam as melhores escolhas, assim se valorizam os subordinados – subordinados, desculpa – a equipe e as escolhas técnicas.
Eu tinha notícia quando eu assumi aqui o Ministério da Justiça de que pelo menos havia rumores de que a Polícia Rodoviária Federal tinha em algumas superintendências de indicações políticas. Eu escolhi o diretor-geral, Adriano Furtado está aqui presente, e ele pode testemunhar o que eu disse para ele na ocasião, que eu falei: “Escolha tecnicamente”, o que não é aceitável de maneira nenhuma são essas indicações políticas.
Claro que às vezes existem indicações positivas. Mas quando se começa a preencher esses cargos técnicos, principalmente de polícia por questões político-partidárias, realmente o resultado não é bom para a corporação, inclusive.
A insistência de Bolsonaro [00:19:56]
O presidente, no entanto, passou a insistir também na troca do diretor-geral. O que é que eu sempre disse ao presidente? “Presidente, eu não tenho nenhum problema em trocar o diretor-geral da Polícia Federal, mas eu preciso de uma causa. E uma causa normalmente relacionada a uma insuficiência de desempenho, um erro grave”.
No entanto, o que eu vi, durante todo esse período, e até pelo histórico do próprio diretor-geral, que é um trabalho bem feito. Várias dessas operações importantes, combate ao crime organizado, operações também de combate à corrupção foram relevantes.
Poderiam ter até mais operações, mas normalmente essas operações, elas maturam durante algum tempo.
Referência ao STF e a ingerência de Toffoli [00:20:45]
E ano passado, em particular, nós ficamos aí 4 meses sem poder movimentar inquéritos envolvendo lavagem de dinheiro por uma decisão judicial, isso também prejudicou um pouco os trabalhos.
Mas o trabalho vinha sendo feito e até a quebra dessas estatísticas criminais era um indicador relevante de que o trabalho estava sendo positivo.
Não a questão do nome, tem outros bons nomes para assumir o cargo de diretor da Polícia Federal. Há outros delgados igualmente competentes.
O grande problema de realizar essa troca, primeiro, haveria uma violação de uma promessa que me foi feita, inicialmente, que eu teria carta branca.
Em segundo lugar, não haveria uma causa para essa substituição e estaria claro que estaria havendo ali uma interferência política na Polícia Federal, o que gera um abalo na credibilidade. Não minha, mas minha também, mas também do governo.
Desse compromisso maior que nós temos que ter com a lei, com o (inint) [00:22:04] of law, e ia ter impacto também, na minha opinião, na própria efetividade da Polícia Federal, iria gerar uma desorganização.
Haveria troca de diversos superintendentes [00:22:13]
Não aconteceu durante a lava jato, a despeito de todos os problemas de corrupção dos governos anteriores. Houve até um episódio em que foi nomeado um diretor no passado com o intuito de interferência política e não deu certo, ficou pouco mais de três meses, a própria instituição rejeitou essa possibilidade.
E o problema, aqui nas conversas com o presidente, e isso ele me disse expressamente, que não é só a troca do diretor-geral, haveria também intenção de trocar superintendentes, novamente o superintendente do Rio de Janeiro.
Outros superintendentes provavelmente viriam em seguida, o superintendente da Polícia Federal de Pernambuco, sem que fosse me apresentado uma razão, uma causa, para realizar esses tipos de substituições que fossem aceitáveis.
Dialoguei por muito tempo com o presidente, busquei postergar essa decisão, às vezes até sinalizando que poderia concordar no futuro com essa possibilidade.
E até num primeiro momento pensando: “Não, de repente pode ser feito, pode ser alterado”, mas cada vez mais me veio a sinalização de que seria um grande equívoco realizar essa substituição.
Ontem conversei com o presidente e houve essa insistência do presidente.
Interferência política sim [00:24:06]
Falei ao presidente que seria uma interferência política e ele disse que seria mesmo. Falei que isso teria um impacto para todos, que seria negativo.
Mas, para evitar uma crise, durante uma pandemia, não tenho vocação aí para carbonário, muito pelo contrário, acho que o momento é inapropriado para isso, eu sinalizei: “Então, vamos substituir o Valeixo por alguém que represente uma continuidade dos trabalhos, alguém com perfil absolutamente técnico e que fosse uma sugestão minha também”.
Na verdade nem minha, uma sugestão da própria Polícia Federal, eu sinalizei com o nome do atual diretor-executivo da Polícia Federal, Disney Rosseti. Eu nem tenho uma grande familiaridade com o Disney Rosseti, mas é uma pessoa de carreira, de confiança.
E como eu disse, essas questões não são pessoais, não são preferências pessoais, são questões que têm que ser decididas tecnicamente.
Fiz essa sinalização, mas não obtive resposta.
O presidente tem preferência para alguns nomes que seriam da indicação deles, não sei qual que vai ser exatamente a escolha.
Foi ventilado o nome de um delegado que passou mais tempo no Congresso do que na ativa na Polícia Federal.
Foi indicado ou sugerido o nome do atual diretor da ABIN. Tem até um bom nome dentro da Polícia Federal.
Mas o grande problema é que não é tanto essa questão de quem colocar, o problema é por que trocar e permitir que seja feita a interferência política no âmbito da Polícia Federal.
O presidente me disse, mais de uma vez, expressamente, que ele queria ter uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações, que ele pudesse colher aí relatório de inteligência, seja diretor, seja superintendente.
E realmente não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação. As investigações têm que ser preservadas.
Imaginem se durante a própria Lava Jato… [00:26:54]
Imaginem se durante a própria Lava Jato o ministro, o diretor-geral, o presidente, a então Presidente Dilma, ou o ex-Presidente Luís ficasse ligando para o superintendente em Curitiba para colher informações sobre as investigações em andamento.
Então, a autonomia da Polícia Federal, com respeito aí à autonomia, à aplicação da lei, seja a quem for, isso é um valor fundamental que nós temos que preservar dentro de um Estado de Direito.
O presidente me disse isso expressamente, ele pode ou não confirmar essas questões, mas enfim, é algo que realmente não entendi apropriado.
Então, o grande problema não é quem entra, mas por que alguém entra.
E se esse alguém sendo a corporação, aceitando a substituição do atual diretor-geral com impacto que isso vai ter corporação, não conseguir dizer não para o presidente, a uma proposta dessa espécie, eu fico na dúvida se via conseguir dizer não em relação a outros temas.
Valeixo quer sair? [00:28:25]
Há uma possibilidade que se afirma que o Maurício Valeixo gostaria de sair, mas isso não é totalmente verdadeiro.
O ápice da carreira de qualquer policial federal, delegado da polícia federal, é a direção-geral da Polícia Federal. E ele entrou com uma missão.
Claro que depois de tantas pressões para que ele saísse, ele, de fato, até manifestou a mim: “Olha, talvez seja melhor eu sair para diminuir essa cisma e nós conseguirmos realizar uma substituição aqui adequada. Aí eu sairia para uma (inint) [00:29:17] para algum outro cargo”, mas nunca isso voluntariamente e sim, decorrente dessa pressão que, ao meu ver, não é aí apropriado.
E o grande problema, uma substituição que seja orientada aí por causas que possam ser sustentadas, não haveria nenhum problema específico.
As reocupações de Bolsonaro com o STF [00:29:45]
O presidente também me informou, tinha preocupação por inquéritos em curso no Supremo Tribunal Federal, e que a troca também seria oportuna da Polícia Federal por esse motivo.
Também não é uma razão que justifique a substituição, ou até algo que gera uma grande ((enfatizou)) preocupação.
Enfim, eu sinto que eu tenho o dever de tentar proteger a instituição, a Polícia Federal, e por todos esses motivos, ontem eu busquei uma solução alternativa, para tentar evitar aí uma crise política durante uma pandemia, acho que o foco deveria ser o combate à pandemia. Mas entendi que eu não podia aí deixar de lado deixar de lado esse meu compromisso com o Estado de Direito.
A exoneração publicada não foi assinada por Moro [00:30:48]
A exoneração, que foi publicada, eu fiquei sabendo pelo Diário Oficial, pela madrugada, não assinei esse decreto.
Em nenhum momento isso me foi trazido, em nenhum momento o diretor-geral da Polícia Federal apresentou um pedido formal de exoneração.
Depois ele me comunicou que ontem à noite recebeu uma ligação dizendo que ia sair exoneração a pedido, e se ele concordava. Ele disse: “Como é que eu concordar com uma coisa? Eu vou fazer o que? Se ele já está sujeito à exoneração a pedido”, vai dizer exoneração (ex officio), mas o fato é que não existe nenhum pedido que foi feito de maneira formal, eu sinceramente fui surpreendido, achei que isso foi ofensivo.
Vi que depois a SECOM afirmou que houve essa exoneração a pedido, mas isso de fato não é verdadeiro.
Gota de água que transborda o copo [00:31:55]
Para mim esse último ato também é uma sinalização de que o presidente me quer realmente fora do cargo, não me quer presente aqui dentro do cargo, essa precipitação na realização da exoneração, eu não vejo aí muita justificativa.
Outras divergências [00:32:13]
Eu tenho até outras divergências, tive outras divergências com o presidente da república durante essa permanência aqui. Tive muitas convergências, recebi apoio do presidente em diversas ocasiões importantes, assim como dei apoio ao presidente da república em várias circunstâncias.
Tive pontuais divergências, mas eu acho que como ministro, a gente está numa relação que eu tenho que preservar também a questão da hierarquia. Mas não vou aqui falar dessas outras divergências, isso fica para uma outra ocasião.
O entendimento de Moro [00:32:54]
De todo modo, o meu entendimento foi que eu não tinha como aceitar essa substituição.
Há uma questão envolvido também da minha biografia como juiz e o meu respeito à Lei, ao Estado de Direito, à impessoalidade no trato das coisas do governo. E eu vivenciei isso durante o Lava Jato, seria ali um tiro na Lava Jato se houvesse substituição de delegados, superintendentes naquela ocasião.
Então, eu não me senti confortável.
Tenho que preservar a minha biografia, mas acima de tudo, eu tenho que preservar o compromisso, que foi o compromisso que eu assumi, inicialmente com o próprio presidente, que nós seriamos aí firmes no combate à corrupção, ao crime organizado e à criminalidade violenta.
E um pressuposto necessário para isso é que temos que garantir aí o respeito à lei, à própria autonomia da Polícia Federal contra interferências políticas.
Certo. O presidente indica, ele tem essa competência, ele indica o diretor-geral, mas ele assumiu um compromisso comigo inicial de que seria uma escolha técnica, que eu faria essa escolha, e o trabalho que vinha sendo realizado poderia ser alterado o diretor-geral, desde que eu tivesse uma causa consistente.
Não tendo uma causa consistente, e percebendo que essa interferência política pode levar a relações impróprias entre o diretor-geral, entre os superintendentes com o presidente da república, é algo que eu realmente não posso concordar.
O futuro de Moro [00:34:59]
Bom, sobre o futuro. De todo modo eu agradeço ao presidente da república a nomeação que me foi feita para trás, eu acho que nós tínhamos um compromisso, eu fui fiel a esse compromisso, acho que estou sendo fiel a esse compromisso no momento em que eu me encontro aqui dentro de Ministério da Justiça.
No futuro vou começar a empacotar as minhas coisas e vou providenciar aqui o encaminhamento da minha carta de demissão.
Eu, infelizmente, não tenho como persistir com o compromisso que eu assumi, sem que eu tenha condições de trabalho, sem que eu tenha condições de preservar a autonomia da Polícia Federal para realizar os seus trabalhos, ou sendo forçado a sinalizar uma concordância com uma interferência política na Polícia Federal, cujos resultados são imprevisíveis.
Espero que independente da minha saída seja feita a escolha de um (inint) [00:36:17] caiba a própria manutenção do diretor-geral atual já que o pedido de exoneração não existe, mas não havendo essa possibilidade, que seja feita uma escolha técnica, sem preferências pessoais, que também a instituição… dá para desconfiar da Polícia Federal, a Polícia Federal tem uma história, ela vai também resistir a qualquer espécie de interferência política, quem pensa nisso.
E que seja indicado alguém que possa realizar um trabalho autônomo e independente, alguém que concorde em não trocar superintendentes ou delegados por motivos não justificados.
O futuro pessoal de Moro [00:36:59]
O meu futuro pessoal após isso, eu abandonei esses 22 anos de magistratura. Infelizmente e um caminho sem volta.
Mas, quando eu assumi eu sabia dos riscos. Vou descansar um pouco, nesses 22 anos foram muito trabalho, em especial durante todo esse período da Lava Jato praticamente não tive descanso e nem durante o exercício do cargo de ministro da justiça e segurança pública.
Vou procurar mais adiante um emprego, não enriqueci no serviço público, nem como magistrado e nem como ministro, e quero dizer que independentemente de onde eu esteja, eu sempre vou estar à disposição do país para ajudar no que quer que seja, se eu puder ajudar nesse período da pandemia com outras atitudes.
Mas enfim, sempre respeitando o mandamento do Ministério da Justiça e Segurança Pública, nessa gestão, que é fazer a coisa certa sempre. Muito obrigado.
((aplausos)) [00:38:29] a [00:39:09]
((fim da transcrição))