Entrevistas que gostamos de transcrever
Entrevistas que gostamos de transcrever traz as características que tornam uma entrevista atrativa tanto para o pesquisador quanto para o transcritor. As dicas a seguir têm a finalidade de ajudar você que está se preparando para fazer as entrevistas a economizar no tempo de gravação e, portanto, na transcrição, que normalmente é a parte mais onerosa de seu trabalho de campo.
Entrevistas que gostamos de transcrever
Talvez seja pretensão, mas após ouvir mais de 300 entrevistas, muitas delas duas ou três vezes, gostaria de apresentar minhas impressões sobre o que considero ser uma boa entrevista para mestrandos e doutorandos.
Quando o pesquisador é um profissional que entrevista alguém do seu nível
Esse tipo de entrevista é o mais tranquilo de se fazer. Após a apresentação do tema de sua dissertação, normalmente o título, pergunta-se sobre a ação do entrevistado no campo de interesse comum, para depois colher suas impressões. É uma entrevista entre pares e existe solidariedade e apoio entre as pessoas.
Há diferença de nível cultural/profissional entre entrevistado e pesquisado
Quando há diferenças entre graduação como por exemplo professores entrevistando alunos, ou mestrandos/doutorandos entrevistando graduandos, ou ainda pesquisadores entrevistando populares ou pessoas que trabalham em cargos que exijam ensino médio, pode haver a ocorrência do entrevistado tentar identificar e falar o que ele pensa que o entrevistador talvez queira ouvir.
Pessoas humildes, sensibilidade e cuidado
Pessoas trabalhadoras de origem humilde, que tenham algum tipo de timidez, seja pessoal ou social, podem apresentar essa tendência.
Algumas vezes ao saber que ocorrerão entrevistas sobre determinado assunto, pessoas normalmente “invisíveis” se sentem felizes em contribuir e acreditarem que respondendo às perguntas do pesquisador, depositam suas esperanças em que sua vida profissional será afetada. Percebemos isso em seu tom de voz ou algumas frases que escapam.
Pessoas de origem mais modesta que não são entrevistadas em situações assim podem de certa forma se sentirem desprestigiadas em relação à pessoa que foi entrevistada. Caso haja algum voluntário, aceite. Será um pequeno ato de amor e consideração ao próximo, embora seu tempo seja caro. Mas a pessoa do outro lado ficará feliz e muitas vezes apenas quer atenção, quer desabafar.
Conceitos básicos claros para os entrevistados
Pode ser interessante se tomar o cuidado de, antes de começar a entrevista, explicar os termos técnicos ou conceitos que são centrais em sua pesquisa, de forma clara e com linguagem acessível ao público pesquisado.
Normalmente se leva um tempo para o entrevistado deslanchar. No começo a produção de palavras é baixa. À medida que o tempo vai passando, a velocidade da fala vai aumentando. A partir de certo ponto, essa produção atinge o ápice e começa a cair. Isso começa a ocorrer em geral depois dos 30 minutos de conversa. Varia conforme a pessoa e domínio do assunto, mas a seu favor o pesquisador vai saber identificar quando isso acontece.
O desinteresse
Quando uma pessoa começa a se desinteressar pelo assunto ou começa a se cansar dele, sua produção verbal cai, ou começa a falar expressões como “conforme já disse”, “como disse anteriormente”, etc. Testar seus questionários com seus amigos e colegas pode ser uma boa forma de testar a consistência e o formato do questionário.
A maioria das transcrições integrais só ficam disponíveis ao pesquisador devido ao código de ética, mas fazer testes piloto podem poupar horas e horas de trabalho de transcrição e, portanto, muito dinheiro.
A importância do quebra-gelo
Nesse sentido, o ‘quebrar o gelo’ é importante, começando por se pedir um breve relato da vida da pessoa, perguntando coisas que são familiares ao entrevistado. Pedir para falar um pouco da vida dela antes de começar a gravar, pode ser interessante. Procure não interromper, inclinar-se levemente em direção ao entrevistado (é uma forma de demonstrar seu interesse). Entretanto, corre-se o risco de a entrevista ficar longa se o entrevistado for muito falante.
O gravador e sua presença
Outro ponto importante é que o gravador deve estar presente desde a chegada. A pessoa vai se acostumando com a presença daquele objeto estranho. A distância ideal entre o gravador e a boca do entrevistado é de um braço a um braço e meio. Calcule mentalmente essa distância.
O ambiente tranquilo é importante, locais públicos como restaurantes ou cafés ou lanchonetes não são adequados pois acabam por criar ruído externo. O ideal é uma sala fechada com dimensões menores do que uma sala de aula.
Dica de ouro na qualidade da gravação
Dica de ouro? Teste a gravação em diversos ambientes, de forma a poder ouvir sua voz de diversas distâncias em diversos ambientes.
Locais como refeitórios de faculdade tendem a ser inadequados quando há intervalo ou saída ou aglomeração de pessoas durante algum tempo. A entrevista começa totalmente audível e depois a qualidade da gravação cai repentinamente.
Estruturar a entrevista, mesmo as semiestruturadas
Dividir a entrevista em três ou quatro blocos de perguntas afins também pode ser interessante.
Fazer questionários estruturados no sentido de parecer um bate papo informal pode ser uma excelente tática. A diferença entre um doutorando e um mestrando entrevistando pessoas é sensível.
Pecado mortal: esquecer o nome do entrevistado
“Fulano, tá-tá-tá”… “e o que você acha, fulano?” Chamar pelo nome a cada duas ou três questões pode ajudar você a se lembrar do nome da pessoa. Perguntar novamente o nome do entrevistado depois de 10 minutos de entrevista nos soa desagradável como transcritores. E supomos que deva ser constrangedor para o pesquisador-entrevistador.
Seja humilde, calado. O silêncio vale ouro
Finalmente, seu pesquisado é o respondente. Não você. Ele(a) é uma pessoa que está dividindo seu tempo com alguém que normalmente não conhece. Nesse sentido, já vimos alguns pesquisadores se colocando em posição de superioridade. Respire fundo e concentre-se, certifique-se de que domina seu questionário de ponta a ponta, de forma a manter o foco no objetivo que deseja defender em sua tese.
São dicas que acreditamos ser úteis.
Desculpem se este artigo ficou longo, ou se algo escrito aqui não agradou. Mas as entrevistas em que sentimos que há humildade sincera do pesquisador, são as que mais nos agradam e encantam. Em algumas entrevistas carregadas de emoção, às vezes lágrimas vertem em nossos olhos.
Algumas pesquisas nos comovem profundamente, principalmente quando envolvem pessoas doentes que são entrevistadas e acabam desabando emocionalmente por carregarem dores e traumas dolorosos.
Sabemos quando o entrevistador se emociona junto. E a gente, idem.