É bom ser importante, mais importante é ser bom
Por vezes somos agraciados pela companhia de pessoas excepcionais em suas realizações ou em seu caráter ou em sua força de vontade e determinação.
E o caso é que conheci nos idos da década de 1990 uma pessoa muito especial, que definitivamente mudou a minha vida. Foi um verdadeiro mestre por quem sinto verdadeira veneração e afeição.
Fui muito orientado por ele, de forma nem sempre gentil, mas tinha certeza de que estava seguindo a pessoa certa. Tanto quanto meu próprio pai, essa pessoa foi um verdadeiro mestre em minha vida.
E uma coisa muito interessante é que ele colecionava ditados. E um dos ditados dele era “é bom ser importante”…
É BOM SER IMPORTANTE…
Ele contava histórias, era um divertido contador de piadas. E gostava também de ensinar por historinhas, e hoje gostaria de compartilhar com você a seguinte história.
Não me lembro bem o nome desse personagem sobre quem desejo narrar, mas a história era mais ou menos assim.
Havia um homem bastante afável – as histórias dele eram de pessoas reais por quem ele passou, conviveu, conheceu e guardou para si alguma lição de vida – que vivia na região onde meu mestre residia e trabalhava.
Ocorre que esse homem gostava de tomar umas com bastante frequência, era um inveterado consumidor de destilados.
Muitas e muitas vezes, ele ficava bêbado e incomodava todo mundo, gritava no meio da rua e andava perambulando pela região, até que se instalava debaixo da arvorezinha da praça, ficava sentado no chão àquela sombra e ficava gritando, “Fulano é bom. Fulano é boa gente. Fulano é bom. Fulano é boa gente”…
E continuava a ladainha por toda a tarde até o sol se por, ou até o sono vencê-lo. Vencido pelo sono, acordava não raras vezes despertado por meu mestre, que ficava compadecido e o levantava. Ele ia para casa, para dias depois repetir o ritual.
Parece ser uma coisa trivial, um ébrio, um homem bêbado gritar que “Fulano é bom”. Ocorre que “fulano” era o próprio nome do cidadão.
Mas veja como meu mestre me ensinou a lição desse episódio tão aparentemente banal.
… MAS O MAIS IMPORTANTE É SER BOM
Ocorre que ele, o bêbado, ao perder controle e ficar gritando “Fulano é bom”, sendo ele próprio o fulano, na verdade estava incomodando toda a vizinhança.
Toda pessoa deseja ser importante e ser reconhecida. Mas reconhecimento, muitas vezes confundido com importância – no sentido social ou econômico – é muito, mas muito relativo.
O problema ocorre quando alguém se julga importante. Não, o que importa é ser bom.
Para meu mestre, o importante era que o Fulano, ele não incomodasse a vizinhança com seus gritos, mas que tomasse uma atitude certa e fizesse realmente alguma coisa boa. Aí ele seria reconhecido, e não teria que manifestar sua carência afetiva ou social.
E o algo de melhor que meu mestre conhecia era trabalhar. Trabalhar significa oferecer seu tempo ao próximo. Com amor, carinho e dedicação. Recentemente, desde pelo menos 2008, ele colocou a palavra “humildade” em primeiro lugar.
Trabalhar bem significa você ofertar o seu melhor para o bem do próximo. E claro, como seu funcionário, eu deveria, também, seguindo seu conselho, dedicar os meus melhores esforços à empresa dele, de tal forma a ser reconhecido como sendo “bom”.
Era importante então o quê? Que o outro reconhecesse que eu era bom, ou meu trabalho era bom. E para que isso acontecesse, eu mesmo deveria contemplar o resultado do meu trabalho e só entregasse a ele meu serviço quando eu próprio aceitasse o resultado daquele trabalho, ficasse satisfeito com aquele trabalho.
“Bom” significa, então, bom em trabalhar, dedicado, não faltar ao trabalho e estar ligado 24 horas por dia no que eu me propusesse a fazer por outras pessoas.
E isso, quer seja trabalhando para ele, ou pior, para meus próprios clientes.
Se eu fosse “bom”, o reconhecimento viria.
O “sucesso” vem depois de “trabalho” e muito depois de um “bom trabalho”. O “dinheiro” está no meio do caminho. Você pode consegui-lo – o dinheiro – mas ter “dinheiro” não significa necessariamente ter “sucesso”. Antes de “sucesso”, entre “dinheiro” e “sucesso” vem a letra ‘F’ de família, ‘E’ de espírito e ‘H’ de honestidade.
E tantas outras palavras importantes em seu significado e no espírito da palavra. Nesse sentido, cada palavra se torna única em cada tipo de cultura.
O PRINCÍPIO DO KI
“Ki” é um ideograma chinês, e também entre outras coisas pode ser entendido como algo que vem do fundo da alma, do fundo do coração.
Quem gosta de Jackie Chan, se lembra do impagável ‘remake’ de “Karate Kid”. Kung Fu é total concentração no momento que vive, seja em que sentido for.
Tem muito a ver com o “Ki”.
TRANSCREVER É KI
Transcrever é um momento de exercitar o “Ki”, é um momento de luta contra nossa tendência de pular uma palavra um pouco inaudível, é um momento de luta contra nossa própria má tendência de deixar para lá algo que parece sem importância.
Quando recebo um áudio para transcrição, coloco em ação toda a concentração possível naquele momento de comunhão com o trabalho, o transcrever é uma luta contra meu próprio eu. Mergulhar naquele trabalho, esquecendo-me de mim próprio, isso também é Kung Fu.
A energia do “Ki” ali aplicada faz residir nesse meu trabalho de transcrição um pouco de meu espírito, que ali residirá e será evocado toda vez que alguém ler o que foi produzido. E verá alguma diferença que se traduz em qualidade. E qualidade é muitas vezes traduzido como “eu não sei o que é, mas esse serviço é bom, tem qualidade”.
É por isso que meu patrão, meu mestre, sempre me falava que “é bom ser importante. Mas mais importante, é ser bom”.